Quando o amor se torna uma droga
- redepsicoterapias
- 13 de jan. de 2014
- 4 min de leitura
O vício em drogas pesadas leva a um sofrimento tão grande que o prazer e a satisfação das primeiras vezes em que ela foi experimentada podem dar lugar a uma angustia sem fim. Nesse caso, o que mantém a pessoa presa a elas é a sensação de o sofrimento da abstinência ser maior que o sofrimento do uso. Essa situação, tão comum no caso das drogas, também pode se aplicar às nossas relações amorosas, se não tomarmos cuidado.
As relações amorosas podem se tornar sofridas ao ponto de só nos prendermos a elas pelo medo de a solidão ser um sofrimento ainda maior. Há aquelas relações que vão se tornando sofridas assim com o tempo. O desgaste dos conflitos constantes as torna praticamente inviáveis, mas o casal não se separa; temem não encontrar outra pessoa, temem abandonar a longa história construída um com o outro, temem pela relação com os amigos em comum e pelas mudanças na vida social (isso quando há vida social nessas relações), temem pelas duas famílias que já ficaram amigas; temem, temem e teimam em não se separar. Costumam buscar uma solução no casamento. Acreditam que, com o compromisso firmado perante a lei e com o estabelecimento de uma vida em comum estável, as coisas se resolverão. E, quando elas não se resolvem, apelam para os filhos. Acreditam que um bebê poderá uni-los. E, geralmente, isso ocorre mesmo. Na verdade, não é o bebê que os une, são eles que se unem em torno de um objetivo comum, a criação de um filho; e, unidos nesse objetivo comum, conseguem manter à distância o enfrentamento de suas diferenças. É assim que a droga do amor acaba sendo substituída pela droga dos filhos.
Mas, não é somente o tempo que torna uma relação amorosa tão sofrida assim. Algumas pessoas já entram em novas relações trazendo consigo as condições necessárias para torná-las um mar de sofrimento. Essas condições são, em geral, o ciúme e o ressentimento acumulado de relações passadas. E, num passe de mágica, de repente uma relação nova em folha adquire todo o aspecto de uma relação com anos de desgaste. O ciúme e o ressentimento acumulado em relações passadas impossibilitam-nos de iniciar novos relacionamentos de fato.
Na Roma Antiga, se o Imperador saia em excursão, morria em batalha e o sucessor era proclamado ali mesmo, quando ele voltasse a Roma seria saudado, não como um novo Imperador, mas como aquele que havia se ausentado para defender o Império e agora retornava. Ele era César, assim como era César seu antecessor e todos os que o antecederam. A vida de todos os Imperadores eram capítulos da vida de um único César. Semelhantemente, pessoas que não se desprendem do ciúme e do ressentimento acumulado em relações passadas tratam seus sucessivos amantes como episódios diferentes de uma mesma e única relação amorosa. Cada um deles é uma encarnação diferente do mesmo namorado ou da mesma namorada. O sabor da novidade dura apenas durante a fase de conquista (isso quando esse sabor chega a ser experimentado). No instante em que o pretendente assume o papel de “ficante oficial” ou de namorado, todo o peso das cobranças por aquilo que outros atores fizeram na atuação desse papel cai como uma bomba em suas costas. É como se, de repente, ele se tornasse invisível e outra - ou outras - pessoas estivessem sendo vistas em seu lugar.
Quando uma relação se desgasta demais, é comum a solução do “tentar dar um tempo”. O “dar um tempo” é uma separação provisória. O casal se separa provisoriamente para ver como se sente. No fundo, o objetivo é testar se o sofrimento causado pela ausência do parceiro é maior que o sofrimento causado pela sua presença. Em caso afirmativo, descobre-se que a dependência daquela pessoa é maior que a capacidade de suportar a vida sem ela, e o casal volta às boas.
No entanto, para que o amor não se torne um vício, é preciso que a relação seja sustentada pelo prazer da presença, não pelo dissabor da ausência. Se julgamos o valor de uma companhia pela falta que ela nos faz, julgamo-lo pelo seu aspecto negativo. Deveríamos ser capazes de julgar o valor de uma companhia pelo seu aspecto positivo; não pela ausência, mas pela presença; não por aquilo que perdemos na sua falta, mas por aquilo que ganhamos com ela. Eu creio que relações autênticas são avaliadas assim. Por isso, todo o romantismo que nossa cultura constrói em torno da saudade e da ausência da pessoa amada deveria nos fazer refletir um pouco sobre a natureza de nossas relações: São elas relações de dependência ou relações autênticas? A dependência é sempre julgada pela falta; relações autênticas são julgadas pela presença de quem gostamos.
*Daniel Grandinetti é psicólogo de influência existencial e psicanalítica. Atua na clínica há 12 anos. Tem a graduação e o mestrado em Filosofia e atualmente é doutorando, também em Filosofia, pela UFMG. Escreve para a Rede Psicoterapias às segundas sobre psicologia e cotidiano.
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