Sinthoma: saúde e participação social
- Inayá Weijenborg
- 25 de jul. de 2015
- 3 min de leitura

Sinthoma, com “TH”, é um termo da psicanálise utilizado para designar qual a fórmula que um sujeito se utiliza para criar-se constantemente. O sujeito não é algo pronto desde nascido; nossa subjetividade, nossos problemas, nossas manias e nossas falhas são construções que desenvolvem-se o tempo todo, de acordo com as necessidades e o desafio de cada dia. É um compromisso formado no psiquismo do sujeito que não torna o mundo perfeito, porque não dá, mas torna o mundo vivível e até interessante.
Como foi escrito em colunas anteriores, Freud fala em um mal-estar proveniente de uma questão impossível de resolver: para viver em sociedade precisamos abrir mão de satisfações puramente egoístas, mas essa é a única forma de vida possível. Não é possível desenvolver-se como sujeito afastado da civilização, o que significa que viver em sociedade traz benefícios mas que isso tem um custo.
Diante do mal-estar e dos problemas inevitáveis de viver em sociedade, cada pessoa tem sua maneira própria de tornar isso suportável e de viver as vantagens da socialização. É como se cada um pegasse o caos do mundo, no qual tem tanto coisas boas quanto coisas ruins, e de uma forma singular conseguisse amarrar tudo isso a ponto de criar um laço que ordene esse caos cheio de contradições e possibilidades. E quando a pessoa não consegue fazer isso?
Por vários motivos podemos perder nossa capacidade de criar esse laço: crises, surtos, vivência de injustiças sociais que fazem perder seu lugar na sociedade, marginalização (que é quando uma comunidade quer excluir dela algumas pessoas, renegando-as), falta de quem ouça o que se tem a dizer. Esses momentos podem desestabilizar o que a muito custo foi estabilizado, mas com a escuta atenta pretendida nos serviços de Saúde e de Assistência do município é possível restabelecer esse laço, mesmo que para isso seja preciso que ele se amarre de outro jeito.
Para recriar o laço (que sem problemas podemos chamar de laço social) é preciso uma dose de criatividade do sujeito e da escuta de profissionais ou outros membros da sociedade. Dessa forma, é possível dar vazão ao inevitável sofrimento humano. Ao se criar um lugar para o sofrimento, cria-se junto um lugar para o sujeito na sociedade. Ao pensar um projeto terapêutico para os pacientes, devemos pensar na sua participação social: qual seu trabalho, como se relaciona com a família, qual seu papel em sua comunidade e o que ele produz. Uma forma interessante de buscar a subjetividade de um paciente é através de trabalhos artísticos, seja com música, pintura, dança, teatro ou quaisquer outras artes. A arte é um meio especial de falar sobre si mesmo e sobre o mundo, já que não se utiliza só de palavras para isso. Toda arte que não é puramente mercadoria de massa surge a partir de uma questão pessoal e acaba revelando algo da questão humana.
Ter seu lugar na sociedade e poder exercer e recriar sua subjetividade é o objetivo da área da Saúde. São dois aspectos da vida humana que andam juntos, são inseparáveis. E, como é de se esperar, a subjetividade de uma pessoa vai ter a ver com sua história e com as coisas que marcaram sua vida. Muitas coisas que marcam a história e o corpo de alguém permanecem intragáveis por muito tempo; nem toda decepção ou violência conseguimos elaborar imediatamente e precisamos lidar com dores recorrentes. A melhor saída é utilizar dessas inevitáveis marcas e criar algo novo a partir disso, em vez de deixar-se tomar pelo lamento e não sair dele. Repetir uma dor sempre da mesma forma só desgasta o corpo, o psiquismo. O que resta é criar algo a partir dessa dor, que diga sobre ela mas que vá além; o laço criado ou recriado citado anteriormente diz respeito a isso.
A ilustração de Fernanda Moreira é uma produção artística que diz claramente sobre uma questão humana, e não apenas pessoal. É a partir das questões que surgem na nossa história que nos formamos como sujeitos e construímos um lugar na civilização. Participar da sociedade é sempre um ato político, sendo que não podemos nos eximir dele; uma vez inseridos numa comunidade, já estamos participando de sua vida política. A melhor opção é usar essa condição para tornar essa comunidade mais agradável, mais justa e que dê mais possibilidades de subjetivação e, portanto, melhores condições de saúde.

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