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Norma Bates no Divã: sobre dar espaço aos filhos

  • Inayá Weijenborg
  • 9 de ago. de 2015
  • 4 min de leitura

Bates Motel é uma série televisiva criada por Carlton Cuse, Kerry Ehrin e Anthony Cipriano. Ela é inspirada no filme Psicose, de Hitchcock, e seu andamento tem se mostrado genial. Na série, Norma Bates é mãe de Norman e juntos tocam o motel Bates. Desde o primeiro episódio, sua relação com o filho é estranha, e é bom separarmos alguns pontos.


Existe um episódio na primeira temporada no qual Norma leva seu filho ao terapeuta por indicação da escola, que foi na verdade a famosa “pressão social”. Nesse primeiro momento, Norma não tem exatamente uma queixa e vai só porque a escola fez parecer uma imposição. Não é de se espantar que a aderência não funcionou. No entanto, não deixou de funcionar só por isso, mas principalmente porque Norma não estava disposta a dar espaço a seu filho.


Norman é um adolescente e responde às perguntas do terapeuta, mostrando-se inclinado a aderir ao tratamento. No entanto, sua mãe intervém a cada pergunta feita ao filho tirando sua voz, permanecendo somente a voz e o desejo dela. Na clínica de crianças e adolescentes, existem os momentos em que é necessário conversar com os pais do paciente porque são eles que levam seus filhos ao psicólogo – e, portanto, deve-se ouvir o que está sendo demandando com isso – e também porque existem coisas que devem ser faladas aos filhos, principalmente aquelas das quais eles não têm como ter conhecimento porque ainda não eram nascidos ou porque eles não têm como elaborar sozinhos. Em todo caso, o que importa é que não se faz isso de qualquer jeito; existe o momento e a forma ideais. O intuito da entrevista com os pais é de dar condições à criança (ou adolescente, dependendo do caso) de fazer-se sujeito, de falar por si como protagonista, e não de ser objeto de fala dos pais, como fez Norma.


Ocupando a sessão com sua fala, Norma coloca somente aquilo que está em sua cabeça e não necessariamente condiz com o que Norman pensa. Mesmo que ele concorde, impedir que o filho fale não tem como ser algo saudável, e o desenrolar do seriado mostra muito bem como uma relação entre cuidador e filho(a) consegue ser doentia. Ao final da sessão, o terapeuta indica que Norma pode estar com dificuldades de permitir que seu filho cresça e faça parte do mundo. Como esperado, ela nega e logo sai da sala com seu filho dizendo que foi perda de tempo ter ido ao consultório.


Era esperado que Norma não aceitasse essa intervenção porque ela não estava preparada para ouvir algo da verdade dela, principalmente porque ela não tinha uma queixa própria e estava indo ao consultório porque lhe foi imposto. No entanto, certas coisas devem ser pontuadas na psicoterapia mesmo que isso possa fazer com que o paciente não volte por um tempo. O que o psicólogo faz é uma aposta: certas coisas não podem passar batidas, e espera-se que indicando esses descompassos algo seja mobilizado no paciente, na família. Em casos em que o paciente não chega ao consultório por espontânea vontade a fim de resolver um sofrimento, não existe outra saída.


Assim como Norma e Norman se fundem no nome, fundem-se também na relação. O episódio do terapeuta foi apenas ilustrativo, assistindo à série é que é possível perceber que há algo de errado. O ponto é que Norman, por motivos que parecem justificáveis, acaba ficando muito próximo da mãe e afasta-se dos colegas de escola, de passeios, de parceiros, e é por isso que percebemos que existe uma medida exata, uma distância ideal entre os pais e os filhos. É preciso alertar as crianças, vigiar, tentar impedir que se machuquem, mas isso tem o limite. O limite é justamente aquele em que a criança não é superprotegida, sem privacidade, sem voz; quando esse limite é ultrapassado, criam-se crianças inseguras, dependentes e possivelmente com pouco trato social.


Dizer “não” aos filhos, netos e demais crianças que são cuidadas é essencial para a subjetividade delas. O “não” estabelece um limite, uma lei, e apenas com leis é que é possível organizar a sociedade. O “não” pode gerar choro, birra e até um sofrimento intenso – e quem disse que a vida é feita só de coisas agradáveis? Depois de incorporar o “não” a criança é capaz de criar um espaço para ela, desenvolver suas ideias, seus projetos, crescer. Dizer “não” é tão difícil para a criança quanto para os pais: eles saem da posição confortável de controlar tudo e serem super-heróis. Ninguém é super-herói, e devemos a isso uma ferida narcísica que vem para o bem: somente assim é possível amar.


Quem não mantém uma distância saudável, tanto fisicamente quanto emocionalmente, não dá espaço para circular amor. Ficar grudado nos filhos ou em cônjuge, parceiro, amigo, parente evita que se sinta falta da outra pessoa e não dá espaço para cada um exercer sua subjetividade. Saudade é útil, sentir falta é útil. Toda relação deve conter algo de “não”, de não-ser, de espaço vazio; afinal, somente numa tela com buracos que podemos costurar desenhos incríveis. Sem buracos, onde tudo é uma coisa só, não existem chances de movimento, e vida é movimento.


Portanto, devemos enquanto pais, filhos, parentes seres sociais saber suportar a ausência, a falha, o vazio. Esses elementos fazem parte da vida, não podem ser suprimidos, sendo que qualquer tentativa de ignorá-los ou dizimá-los vai dar errado. Algumas das implicações ruins que essa simbiose pode provocar está muito bem descrita no seriado. Aliás, o título, Norma Bates no divã, é uma ironia, já que Norma não permaneceu mais de 5min no consultório do terapeuta. A palavra divã é apenas uma licença poética, afinal, já vimos que análise pode ocorrer em divã, em poltrona, em pé, na rua, no consultório; o determinante não é o mobiliário do profissional.

Essas considerações foram algumas que surgiram ao assistir ao seriado e indico que, se puderem, acompanhem os episódios. A produção é excelente.


Inayá Weijenborg

SP, 3 de agosto de 2015



 
 
 

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