top of page

Usuário, cliente ou paciente – em que a etimologia pode contribuir para o método da prática profissi

  • Inayá Weijenborg
  • 13 de jun. de 2015
  • 5 min de leitura

paciente-cliente-usuario.jpg

Etimologia é o campo da Gramática que estuda a origem das palavras. Por vezes, uma palavra que usamos hoje de determinada forma, já foi utilizada com outros sentidos em outras épocas. Refletir sobre o sentido das palavras que usamos vai muito além de um preciosismo: essa reflexão pode contribuir para uma visão crítica das relações de poder e o tipo de relação que criamos no mundo.


Na área da Saúde e da Assistência os termos mais utilizados para designar aquele que chega ao serviço/consultório são paciente, usuário ou cliente. Existe uma preferência por parte de alguns profissionais em relação a um dos três, e, por outra parte, um automatismo – fala-se sem pensar. Ainda não encontrei um nome perfeito para se utilizar, e provavelmente ele não existe. No entanto, pode ser útil fazer uma breve análise dessas três palavras.


Paciente é a palavra mais antiga dentre as três, provavelmente, e foi descredibilizada por hoje dar o sentido de espera, de passividade – e bem sabemos que para que funcione o tratamento na Saúde o sujeito tem que se colocar em posição ativa, assim como na Assistência, que é um meio justamente de resguardar o mínimo para fazer com que o sujeito exerça sua cidadania. Por isso, alguns profissionais optaram por utilizar a palavra cliente, por achar que sinaliza uma relação de oferta e utilização de serviços, simplesmente, descrevendo como seria o trabalho sem fazer qualquer julgamento e se direcionaria ao âmbito do contrato que é feito em todo serviço profissional. Bom, há quem discorde disso e acabe adotando a palavra usuário, que tem certa preferência na atuação na Saúde (MAEDA; SAITO; SCHVEITZER; ZOBOLI, 2013), com a justificativa de que não tem a conotação do liberalismo econômico de “cliente” e que descreve um serviço que é ofertado por direito, sendo que sua utilização implica uma posição ativa no mundo.


Isso é, provavelmente, o discurso vigente mais atual e utilizado nas frentes de militância da área da Saúde – e eu incluo aqui a área da Assistência porque acredito que sejam complementares. Acontece que alguns pensamentos me fazem acreditar que não seja assim tão melhor fazer o raciocínio do parágrafo anterior tal como é feito, e que é preciso acrescentar algumas informações etimológicas, conseguidas na Internet e em dicionários da alçada.


Usuário viria do latim usuarius, e teria o sentido de usar algo, utilizar, servir-se de algo; aquele que tem o direito de uso. Dessa forma, o termo “usuário” contempla muito bem a questão da cidadania, de exercer o direito daquilo que é estabelecido em lei e coloca a população no lugar de agente, de cobradores do que é estabelecido como contrato social. No entanto, penso que certos serviços não são tão de direito assim – o caso de clínicas particulares. Na clínica particular, usa quem quer (e quem pode pagar à parte). No serviço público, já se paga na forma de impostos e de contribuição previdenciária – pagar no serviço privado não é nada menos que pagar duas vezes. O fato é que o serviço privado e autônomo é utilizado em larga escala, e chamar “usuário” quem chega a ele parece hipocrisia, por indicar uma falha social que não só não é resolvida como também é mantida por essas práticas que apazíguam as injustiças sociais. Ou seja, chamar um “usuário” dessa forma não o torna automaticamente usuário, cidadão, sujeito, humano; a luta por acesso ao que é produzido na sociedade não pode ser ofuscada por achar que basta chamar alguém de cidadão. Devemos dar condições para que todos exerçam sua cidadania, dar condições para que exerçam sua humanidade. Concluindo, acredito que “usuário” não deve ser uma palavra utilizada como alívio, como se fosse em si uma conquista; deve ser utilizada como um método para não se esquecer do que ainda não temos, como um sinal do projeto de dignidade no mundo que ainda não foi alcançado.


Sendo assim, cliente é um termo que, na tentativa de neutralidade, acaba sendo boçal. Viria do latim cliens, que seria um plebeu protegido por alguém mais poderoso, por um nobre na função de patrono. O “cliente”, na Roma antiga, era um pobre que estava sempre pronto a obedecer seu patrono, e por vezes estava na rua a pedir-lhe comida. Nem é preciso dizer que isso não cabe minimamente num tratamento humanizado na Saúde e na Assistência hoje. O sentido de cliente hoje é diferente – diz respeito a um contrato acordado entre um profissional e aquele que busca seu serviço. No entanto, não podemos esquecer que é um termo que remete primordialmente a venda, a relação comercial, relação de mercado. A relação de mercado tal como é hoje atravessa, necessariamente, a dimensão de injustiça – para se vender, deve ter lucro, e para ter lucro Veja se acha que ficaria melhor manter a mesma “forma” de escrever as frases: para se vender, deve-se ter lucro, e para se ter lucro... ou se acha que isso não é necessário. , é preciso que haja a parte da população com mais dinheiro e a parte com menos dinheiro, e, por isso, a parte mais marginalizada acaba com o ônus dessas transações alicerçadas na injustiça. É claro que a visão humanizada de tratamento e de construção de autonomia passam muito longe desse cenário.


Voltemos a paciente. É verdade que não é útil seu aspecto de espera passiva. Contudo, originalmente, “paciente” viria do latim patientem, que significaria “o que sofre”, “o que padece”. Na Gramática da Língua Portuguesa, “sujeito paciente” é aquele que sofre a ação do verbo, ou seja, é perpassado por algo marcante que tem sua importância maior colocada no verbo. Seria útil escutarmos que verbo é esse, não? Vale a pena pensar que “paciente” é aquele que sofre. Afinal, o sofrimento é o critério para qualquer tratamento e intervenção. Se não houver sofrimento, não há escuta (escrevi outra coluna sobre escuta psicológica e escuta analítica), seja na Saúde ou na Assistência. Sem sofrimento, não há demanda, e não tem como ter uma implicação que mobilize tanto o paciente quanto a sociedade que deve dar conta de suas próprias mazelas.


Utilizar um nome que nele já contenha o critério para o trabalho (o sofrimento do paciente) marca a importância do método, uma vez que não deixa perder de vista de onde se parte e por qual fim se orienta esse trabalho. Sendo assim, não é de todo ruim falar em “paciente”. Todavia, o essencial é realizar um serviço com diretrizes claras de atenção e transformação social. Se alguém conseguir fazê-lo usando outras palavras, ótimo – até porque os significados das palavras mudam e denunciam o quanto eles são artificiais. O intuito dessa reflexão é o de motivar a instrumentalização na atuação profissional, levando em conta que nenhuma profissão/ocupação acontece sem método e sem ferramentas.


SP, 1º de junho de 2015


Referências


Dicionário Etimológico: Etimologia e Origem das Palavras. 7Graus. Disponível em: <http://www.dicionarioetimologico.com.br/>. Data de acesso: 1º de junho de 2015.


MAEDA, S. T.; SAITO, D. Y. T.; SCHVEITZER, M. C.; ZOBOLI, E. L. C. P. Usuário, cliente ou paciente? Qual o termo mais utilizado pelos estudantes de enfermagem? In: Texto & Contexto – Enfermagem, Florianópolis, v. 22. nº 1, 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-07072013000100021&script=sci_arttext&tlng=pt>. Data de acesso: 1º de junho de 2015.


Inayá descrição.jpg

 
 
 

Comments


Siga-nos
  • Facebook Classic
  • Twitter Classic
  • Google Classic

Vamos continuar este contato? Assine a nossa newsletter!

Agora você faz parte da nossa Rede!

Consultório sede:

Rua Joviano Naves, 15 - sala 04. | Belo Horizonte /MG

 

Nossos contatos:

(031) 4141-6838

(031) 4141-6839

redepsicoterapias@gmail.com

Nos acompanhe:

  • Wix Facebook page
  • Instagram Social Icon
  • Wix Twitter page
  • Wix Google+ page
  • LinkedIn Social Icon

©Copyright 2011 Rede Psicoterapias. Todos os direitos reservados.

bottom of page