Medianeras internas
- redepsicoterapias
- 25 de jan. de 2014
- 3 min de leitura
“Medianeras” é um filme argentino de 2011, dirigido por Gustavo Taretto, a partir do qual sobre muito se poderia dizer; sobre a solidão, a busca do amor, a arquitetura moderna, a vida virtual... Mas resolvi me ater a um tema – e ao nome. O que são, afinal, medianeras?
Mariana, do filme, diz que medianera é uma parede existente em todos os prédios, aquela “face inútil, imprestável, que não é nem a fachada frontal e nem a posterior (…). Superfícies enormes, que nos dividem e nos lembram do passar do tempo, a poluição e a sujeira da cidade. As medianeras mostram nosso estado mais miserável, refletem a inconstância, as rachaduras, as soluções temporárias. O lixo que escondemos sob o tapete”.
No filme, as personagens se apresentam enfatizando suas fobias, hipocondrias, suas não realizações profissionais, seus amores sem final feliz e outras mazelas mais, as quais para muitos são as que devem ser evitadas no facebook e nos primeiros encontros.
Sejam quais forem os conteúdos que escolhemos para nos apresentar nas diferentes situações da vida, ao colocar a máscara escolhida, escondemos algo sob ela. Por debaixo da máscara ficam conteúdos psíquicos incompatíveis com nossos ideais conscientes, conteúdos que, para nossa consciência, “mostram nosso estado mais miserável, refletem a inconstância, as rachaduras”e por isso mesmo, comumente tentamos jogá-los para baixo do tapete e para longe de nossa lembrança. Importante deixar claro, que o que aqui chamo de escolha e de tentativa de afastamento de determinados conteúdos não são atos planejados. Isto é, há um longo processo que resulta nesta “configuração” e que nem sempre – quase nunca – passa por etapas conscientemente controladas. Mas sobre isso, podemos falar em outro momento.
Voltando ao filme, apesar das máscaras inusuais que as personagens vestem, é fácil empatizar com elas, talvez, justamente, por falarem de uma forma natural, como coisas da rotina e com humor, sobre as dificuldades e sofrimentos que todos temos.
Aquilo que não agrada faz parte da rotina de todos, mas muitas vezes apenas no escuro, em algum lugar em nós que não acessamos quase nunca, como uma caixa de sapatos cheia de tralhas esquecida no fundo do armário. Mas , continuando com a definição de medianera do filme, “contra toda a opressão que significa viver em caixas de sapatos, existe uma saída, uma fuga, ilegal, como todas as fugas. Em clara contravenção ao código de planejamento urbano, abrem-se minúsculas, irregulares e irresponsáveis janelas que permitem que milagrosos raios de luz iluminem a escuridão em que vivemos”.
Da concretude da medianera janelas se abrem promovendo um encontro entre o externo e o interno. Já as paredes abstratas e humanas que protegem a caixa cheia de “dissabores” e desconhecimentos são quebradas, não com marretas, mas com algum instrumento impalpável, mas forte o suficiente para ir contra a nossa vontade e nosso controle. Como uma “fuga, ilegal, como todas as fugas”, algo daquele conteúdo escondido se revela e, de repente, sem bem saber por quê, nos damos conta que não somos apenas a fachada frontal.
Diante desta surpresa, o arranjo bidimensional fachada-fundos dá lugar a outras dimensões que nos tocam de forma indireta e espantosa, seja pelo desconhecido que revelam, como em alguns sonhos, por exemplo, seja pela surpresa de nos vermos dominados, possuídos, por algo em nós que foge de nosso controle consciente. Como aquela sensação de se irritar e gritar, como se “tivesse saído de si”. Como se uma luz tivesse iluminado um escuro, ou, no nosso caso, como se o escuro tivesse amenizado a luz ofuscante de nossa limitada consciência.
*Luisa Rosenberg é psicóloga clínica junguiana, graduada em 2011 pela PUC-SP. Aos sábados,escreve sobre as coisas do cotidiano; “crônicas psicológicas” falando, muitas vezes, sobre as artes para tentar falar da vida.
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