O Cuidar e o Eu
- redepsicoterapias
- 26 de jan. de 2014
- 3 min de leitura
Sempre tomei minha profissão com cuidado, para dizer o mínimo. Desde os tempos da faculdade, já se anunciava para mim um novo universo multifacetado, com múltiplas possibilidades e, diante desta vastidão, decidi agir com cautela. A ética profissional me foi apresentada e, somada a minha ética pessoal, delineou-se em mim uma prática que posso resumir hoje em uma palavra: cuidar. Cuidar não é um verbo muito conjugado nos dias de hoje, todos podemos facilmente notar isto. Cuidar de si, cuidar do outro, cuidar de nós, cuidar do ambiente que nos circunda. Cuidar não é tão simples como parece, e nem depende apenas de dom, como muitos devem pensar. Requer anos de estudo, anos de prática. Além disso, requer também um olhar que sempre estranha, crítico, que busca ver para além do fenômeno que nos é apresentado, do óbvio, do trivial.
Imersos em um cotidiano hedonista, onde o culto ao corpo, ao prazer, ao individualismo exacerbados imperam, falar em cuidar parece anacrônico, ilógico. No nosso tempo, impera a celeridade de mudanças, mudanças estas que muitas vezes são profundas, mas o sujeito se vê sem tempo para assimilá-las. O culto recrudescente ao prazer é o que mais me preocupa, de fato. Em lugar algum, em nenhum registro da história humana, houve um tempo onde se vivia de puro prazer, simplesmente porque o prazer nos é tão inerente quanto o desprazer. Viver nos faz defrontar com os horrores da vida, com as mazelas do existir, com a finitude, com a degeneração do corpo, com a morte. O estar no mundo deveria ensinar-nos que, para além das alienações constantemente ofertadas pela ideologia predominante de uma época, deve sempre haver o tempo de cuidar.
Quão absurdo parece o fato de não sabermos mais nos cuidar. Não sabemos mais interpretar os sinais de um corpo que deseja falar, não damos espaço a manifestações singulares de subjetividades, suprimimos o tempo que nos é necessário para dedicarmo-nos ao cuidar, ao assimilar, ao simbolizar. Falta tempo para olhar para si mesmo, para cuidar da própria saúde, para ser homem, mulher, filho, pai, mãe, cidadão. Falta tempo ou falta interesse? Antes de sermos homens e mulheres aparentemente belos e bem-sucedidos, somos humanos. E todo e qualquer ser humano carece de cuidados. Não sabemos mais alimentar nosso corpo, nem mesmo nossa alma, vide constantes queixas de sofrimento, de novos sintomas, de demandas a tratamentos psicológicos.
E, observando, escutando estas pessoas em minha clínica, lembro-me do cuidar. O cuidar que sempre me foi tão caro nos tempos de faculdade. Cuidei de meus estudos, do meu saber, para que se tornassem uma profissão enodada em meu desejo. Cuidei da ética, para garantir àqueles que chegavam a mim um lugar, uma escuta, um tratamento adequado à demanda, ao sintoma peculiar de cada um. E hoje, antes de tudo, penso em psicologia preventiva. O quanto poderia ser amenizado, ou até mesmo evitado, se não estivéssemos nos esquecido de cuidar de nós mesmos. De olhar para si próprio, com coragem, e perceber que somos todos capazes de realizar tal movimento, ato este tão necessário ao desejo e à vida.
* Psicóloga e Psicanalista, Diretora e Supervisora da Clínica Espaço Savoir y Faire, especialista em Semiótica psicanalítica – Clínica da Cultura pela PUC-SP, mestranda em Psicologia Clínica pela USP. Realiza pesquisas no campo das psicoses e outros transtornos graves do desenvolvimento. Escreve artigos utilizando a Semiótica Psicanalítica enquanto instrumento de leitura dos fenômenos sociais e culturais. Colunista da Rede Psicoterapias ao domingos onde escreve sobre Psicologia, filosofia e arte.
Contato: gualda.lorene@gmail.com
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