O Estigma da Obesidade
- redepsicoterapias
- 27 de jan. de 2014
- 3 min de leitura
Se percorrermos, mesmo que rapidamente, a história da humanidade e os variados paradigmas de beleza estabelecidos nas diferentes épocas, notaremos que nossos corpos nunca foram tão escravizados por nós mesmos como os são agora. Atualmente, sentimos a necessidade de a todo o momento colocar nossos corpos em exposição para o outro, de nos forçar a ultrapassar limites que acreditamos que irá beneficiar nossos corpos, e de submetê-los às mais diversas provas. Entretanto, diante de uma cultura que exige horas de academia, gastos exorbitantes em produtos de beleza e dietas variadas, encontramos o obeso, aquele que muitas vezes é recebido com olhares tortos em academias e com sorrisos disfarçados em restaurantes. Sabemos que não é difícil entrar em contato com preconceitos dirigidos ao obeso: se as discriminações não aparecem via mídia, há sempre alguém ao nosso lado que dirige um olhar insatisfeito e de rejeição para o gordo.
Já presenciei um caso em que algumas pessoas se espantaram ao saber que uma obesa tinha um namorado; o espanto provavelmente jazia no fato de que poucos consideram que o obeso é capaz de seduzir o outro e de ter uma vida sexual ativa. Outras pessoas costumam se incomodar ao ver o obeso sentado em um restaurante comendo o quanto quer; enquanto algumas se divertem com o gordo, estigmatizado por muitos como engraçado e bem-humorado.
A representação social da obesidade é um tanto quanto intrigante. Diversos sentimentos são despertados quando os indivíduos se deparam com o obeso, em especial sentimentos negativos. Acredito que isso se deve, em parte, às dificuldades que as pessoas têm ao lidar com as contradições que são carregadas no corpo do obeso: enquanto o sujeito turbinado e sarado da academia passa horas se exercitando, forçando o corpo a ultrapassar limites, mesmo diante de dores e de espasmos corporais, o obeso pode ser visto como o transgressor social, que ao invés de tentar de todas as maneiras possíveis se adequar aos padrões sociais, deixa-se levar pelo prazer de comer, algo que muitos gostariam de fazer. Esse prazer, entretanto, faz parte de fantasias presentes no imaginário social, uma vez que a obesidade não está necessariamente ligada a ingestão compulsiva de comida, mas também a questões orgânicas. Mesmo sabendo disso, o obeso é visto como alguém que escolheu ser gordo. Mas será que escolheu mesmo? Não acredito que alguém escolha ser estigmatizado pela sociedade como o preguiçoso, o não determinado, aquele que não tem perspectivas e que é relaxado. Na verdade, é bastante raro encontrar pessoas obesas que não tenham iniciado atividades físicas e dietas exageradas com o objetivo de emagrecer.
O obeso, todavia, talvez seja visto como aquele que não se submeteu à escravidão dos corpos, e que procura seu prazer na comida. Isso me faz pensar em quais são os prazeres que nos damos atualmente. Na hora do sexo, mulheres se preocupam se seus corpos estão perfeitamente apresentáveis para seus parceiros; homens tomam anabolizantes com o objetivo de parecerem mais atraentes e submetem seus corpos aos efeitos colaterais de tais substâncias e adolescentes em desenvolvimento pensam em colocar silicone em seus seios, passando por um doloroso processo cirúrgico.
Ao final de tudo, o obeso se torna o depositário social daquilo que não aceitamos em nós mesmos: ao chama-lo de preguiçoso, não entramos em contato com nossa ociosidade, que é condenável por uma sociedade que exige que estejamos em constante atividade; ao dizer que o gordo não é determinado, não enxergamos nossos próprios fracassos, uma vez que, atualmente, apenas os vencedores tem o direito de ocupar um lugar de destaque. Dessa maneira, o gordo, estigmatizado socialmente, se faz fundamental para a sociedade patológica na qual vivemos, pois carrega consigo, sem intenção, a transgressão social que todos gostaríamos de realizar.
*Natália Saab é formada em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2012). Psicóloga Clínica. Realiza atendimentos a crianças e adultos, tendo como referencial teórico a psicanálise. Possui experiência de estágio nas áreas da psicologia clínica, jurídica e escolar.
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