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Quando sofrer é preferível a ver o outro sofrer

  • Foto do escritor: redepsicoterapias
    redepsicoterapias
  • 3 de fev. de 2014
  • 4 min de leitura

Lidar com o sofrimento do outro pode ser mais difícil, em certo sentido, que lidar com o nosso próprio. O constrangimento diante do sofrimento alheio é mais comum do que se pensa, pois não temos o hábito de falar nesse sentimento. Muito se fala da insensibilidade das pessoas e de como elas não se importam umas com as outras; muito se critica a forma como nós seres humanos usamos nossos semelhantes e da falta de consideração que temos pelos sentimentos deles. Muito se fala nisso tudo porque o mundo está cheio de vítimas que adoram fazer alarde pela forma como são tratadas. Mas, do constrangimento que às vezes sentimos perto de uma pessoa que está sofrendo, disso poucos falam. E a razão para não se falar do constrangimento é o próprio constrangimento. Se nos sentíssemos livres para falar do que nos constrange, não haveria em nós constrangimento algum. Então, por que às vezes nos sentimos constrangidos com o sofrimento das pessoas? Nossa identidade com os outros se baseia na dependência. Nascemos em condição de dependência física e a transformamos em dependência afetiva. A dependência se torna afetiva quando idealizamos o outro como a base que nos sustenta. E o que acontece quando essa base revela sua fragilidade tão humana e tão susceptível ao mesmo sofrimento que nos tornou dependentes dela? Se nossos entes queridos são nossa base de sustentação, onde nos sustentaremos quando nós próprios tivermos que sustentá-los? Quem muito ama alguém certamente já se familiarizou com o pensamento de que é preferível sofrer um mal a ver a pessoa amada passando por ele. “Eu dou conta do meu sofrimento. É do sofrimento de quem eu amo que eu não dou conta”, pensamos. É mais fácil dar conta do próprio sofrimento que do sofrimento do outro porque nós temos em quem nos sustentar. Nós nos sustentamos no outro. E o outro? Em quem ele se sustentará? Em nós. Mas, se ele se sustentar em nós, somos nós que ficaremos sem sustentação. E com esse vazio é difícil lidar. Há ainda outra razão, mais profunda e mais inconsciente. Toda relação de dependência é sufocante, e toda relação sufocante ativa em nós a tendência natural de desfazê-la. A tendência natural de desfazer uma relação sufocante se manifesta na agressividade dirigida a esse outro que tanto amamos e pelo qual nos sentimos sufocados de tanto amor. Toda relação de amor profundo também é profundamente ambivalente. E quanto maior for nossa convicção sobre a pureza do amor que nutrimos pelo outro, mais inconsciente será em nós a agressividade que também dirigimos a ele. O outro só nos sufoca quando o idealizamos na conta de uma presença forte e esmagadora que não nos deixa espaço para ser o que somos. Assim, a agressividade inconsciente dirigida a ele tem o propósito de enfraquecê-lo e transformá-lo em algo inofensivo. Por isso, quando o outro amado nos revela, nua e cruamente, esse sofrimento tão humano que o faz parecer frágil e desamparado, associamos inconscientemente a essa visão a realização de nosso desejo agressivo, e a realização desse desejo entra em conflito com o amor que antes tanto nos sufocava. O resultado é aquela agonia cheia de remorso, e o outro antes forte e esmagador de repente nos parece bom, puro e injustamente maltratado pela vida - ou pelas nossas tendências mais inconscientes. Aquilo que está inconsciente em nós foge ao nosso controle, e o que foge ao nosso controle causa efeitos que também não são controlados por nós - mas que, entretanto, realizam nossos mais profundos desejos. Por essa razão, quando um evento qualquer realiza um desejo inconsciente, somos dominados pela crença de que fomos responsáveis por ele de alguma forma. E quando essa crença entra em conflito com outros desejos mais fortes e mais conscientes, o resultado é aquele sentimento de culpa por algo que, em nossa consciência mais racional, sabemos não sermos culpados de nada. É por isso que às vezes nos sentimos culpados pelo sofrimento das pessoas que amamos, mesmo que em nossa consciência mais racional essa idéia nos pareça absurda. Mas, se às vezes nos sentimos culpados pelo sofrimento dos outros, também é comum nos sentirmos culpados pelo amor que eles demonstrem por nós... principalmente quando não estamos dispostos a correspondê-lo. E, assim como a culpa pelo sofrimento do outro é causada pelo desejo inconsciente de feri-lo, a culpa pelo amor do outro é causada pelo desejo inconsciente de que ele nos ame, mesmo que conscientemente não estejamos interessados em corresponder ao seu amor. Então nos sentimos responsáveis por aquele que cativamos, como diz aquela célebre passagem de Antoine de Saint-Exupéry, e pelo sofrimento da rejeição que ele por ventura tenha que enfrentar. Nem a culpa pelo sofrimento do outro e nem a culpa pelo amor do outro assombraria nossa alma se não desejássemos mais amor e se não amássemos mais do que somos capazes de suportar.

*Daniel Grandinetti é psicólogo de influência existencial e psicanalítica. Atua na clínica há 12 anos. Tem a graduação e o mestrado em Filosofia e atualmente é doutorando, também em Filosofia, pela UFMG. É ensaísta e publica seus textos na página 'Psicologia no Cotidiano' do Facebook: www.facebook.com/cotidianoepsicologia

 
 
 

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