Autismo: a aposta em novas perspectivas
- redepsicoterapias
- 8 de fev. de 2014
- 3 min de leitura
Aproveitando o investimento da mídia acerca do autismo, algumas considerações merecem ser mais bem explicitadas e destacadas, principalmente no que se refere às possibilidades e impossibilidades, aos avanços e dificuldades que cerceiam o transtorno na atualidade, desmistificando os embates acadêmicos e científicos. Por que de repente o autismo está em foco? Reportagens, novelas e entrevistas tem tomado a cena do que anteriormente havia sido subjugado como uma das piores manifestações psicopatológicas. Afinal, do que se trata quando se fala em autismo? Quais são as investigações e as intervenções possíveis? Afinal, do que se trata o autismo?
Léo Kanner foi o primeiro autor a classificar o autismo infantil, na década de 1940, a partir do estudo de onze crianças. O psiquiatra adotou o termo "autismo" de empréstimo de Bleuler, que já havia utilizado esta denominação para caracterizar um dos sintomas da esquizofrenia. Já naquela época Kanner considerava a interação de fatores orgânicos e relacionais como possível etiologia do transtorno, porém, alguns anos depois passou a investigar apenas questões competentes à dimensão orgânica do autismo, tendência nas pesquisas até os dias de hoje.
Atualmente é consenso entre as áreas do saber a sintomatologia que envolve o transtorno: os sintomas têm início antes do terceiro ano de vida da criança e seu diagnóstico depende de prejuízos em algumas áreas, como em interação social (falta de interesse pelo outro), comunicação (pouco ou nenhum uso da linguagem verbal e sem a intenção de comunicar), interesses restritos e estereotipia de comportamento.
Apesar do consenso sobre a sintomatologia, o mesmo não se pode afirmar no que diz respeito à etiologia e ao tratamento para o autismo. Ao contrario, o que se percebe são disputas diagnósticas e ideológicas entre as diversas áreas do saber e, com o avanço das ciências médicas, a tendência da atualidade é considerar o autismo como um transtorno puramente de desordem biológica, investindo-se, por consequência, em tratamentos que dêem conta da dimensão orgânica da patologia.
Por outra via surgem as pesquisas em psicanálise que buscam se utilizar dos avanços e conquistas das pesquisas sobre a organicidade do autismo, mas que para além disso, investigam os processos da constituição do sujeito que podem estar em jogo. Em outras palavras, as pesquisas mais recentes em psicanálise buscam alcançar e compreender possíveis entrelaçamentos entre determinantes orgânicos e psíquicos. O que ocorre é que, infelizmente para muitos, a psicanálise não pode ser aplicada em casos de autismo, pois acreditam que o analista aplica a livre associação para acessar o inconsciente do analisando. Não, não é assim que a psicanálise trabalha com o autismo. O intuito é que o analisando possa advir enquanto sujeito¹, enquanto o analista empresta seus significantes e aposta que o mesmo venha a emergir.
Sendo assim, a luta pela interlocução, pela troca interdisciplinar deve ser colocada enquanto condição fundamental para que as disputas ideológicas por trás dos estudos sobre autismo possam dar lugar ao novo: novas descobertas, novos caminhos, novas possibilidades, cessando as práticas engessadas para a aposta no sujeito e em seu desejo.
¹ Sujeito no sentido lacaniano, onde o mesmo deve ser considerado como o efeito da linguagem no corpo. É importante deixar claro que não existe corpo sem linguagem e vice-versa. Em outras palavras, somos seres atravessados pela linguagem e como fruto dessa operação temos o inconsciente, instância que atua em todos os momentos de nossas vidas, independentemente da presença de uma patologia.
*Andressa Neves Psicóloga e Psicanalista. Escreve para a Rede Psicoterapias às quintas-feiras sobre psicopatologias e contemporaneidade.
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