A tal felicidade
- redepsicoterapias
- 12 de fev. de 2014
- 3 min de leitura
Acho que o primeiro ponto a se pensar seria: qual o seu conceito de felicidade? Existe um conceito que chega até mim às vezes que confunde felicidade com ausência de problemas. Nesse sentido, pode ser que alguém nos procure como psicólogos para justamente solucionar algo que incomoda com o desejo de que as coisas fiquem estáveis e que a partir daí os problemas acabem. Pois bem, a vida é cheia dos conflitos. Mal bem resolvemos um e logo aparecem os outros, não é? Isso significa que somos humanos. Ser humano e é estar em conflito, é mudar de opinião, é ter problemas e angústias.
Pense no nosso corpo, nas variações de temperatura, hormonais. O único estado em que tudo isso estaria neutralizado, a perfeita homeostase, é a morte. Sendo assim, o que poderíamos chamar da tal felicidade?
Não estou aqui para criar mais uma fórmula, ou para passar a imagem de que os psicólogos e aspirantes são capazes de tornar alguém mais ou menos feliz. Essa coluna tem o intuito de fazer refletir, e não de dar respostas. A descoberta de quais serão as escolhas que o indivíduo tomará em busca do maior conforto de si consigo mesmo é um processo que toma tempo, e que mesmo quando trabalhado em conjunto com seu terapeuta, não seguirá nenhum caminho pré-estabelecido.
O que é de certa forma comum, é que fomos criados em uma cultura que pouco permite a felicidade. Somos assediados com fórmulas para alcança-la, livros de autoajuda, o que fazer, o que comer, como prolongar a vida, como ser feliz no trabalho que não gosta. Veja as inúmeras concepções de qualidade de vida que existem na mídia, na maioria das vezes ligadas ao consumo. Afinal, em um molde capitalista, estar satisfeito não é bom negócio, visto que felicidade não dá lucro e que atualmente existe uma concepção forte de que as coisas - e mesmo os relacionamentos - podem ser descartados facilmente em busca de algo novo e com a promessa de ser ainda mais incrível. O próprio pensamento de “estar contente” viria do verbo “contentar”, que significaria estar satisfeito. Cabe estar contente em uma cultura que pede que sejamos todos insatisfeitos?
Pessoalmente, costumo chamar de “felicidade” pequenas boas sensações de acolhimento, de sentir-se confortável consigo mesmo, como trocar um sapato apertado por chinelos. Mas acontece que muitas vezes somos tão bem condicionados a essa busca infinita que desacreditamos que pequenas coisas possam ser chamadas de felizes. Ou mesmo desconfiamos do que acontece de forma simples em nossas vidas: “Ah, não é possível, algo vai dar errado. É bom demais pra ser verdade”.
Às vezes escapamos em virtude das inseguranças rotineiras que são construídas em nós, que nessa cultura de colônia de exploração, acabamos por pensar que aquilo que é duro, difícil ou sofrido, é melhor. Pense nos longos romances hollywoodianos que mostram que o amor é mesmo complicado, leva tempo para acontecer, ou simplesmente não acontece. Ou nas revistas, que criam inúmeros manuais de como fazer as coisas, como ser melhor ou feliz. Da opção pelo distante, complexo, inatingível, e mesmo irreal, e do medo que nos dá de abraçar oportunidades, amores ou simplesmente relaxar. Dos cantos, das músicas e dos sentimentos que temos e que preferimos não ter, que desacreditamos, ou que enterramos em uma caixinha no fundo da memória.
Parto do princípio de que se você sente, é real. E basta. E não significa que é simples nomear, entender e legitimar todos os nossos sentimentos. Mas se o sentimento está ali, é porque de algum modo ele existe, certo? Pensar nisso talvez seja um bom caminho. Sem tirar de vista que felicidade é rápida, pode escapar, enquanto o conflito, ah, esse pode se estender. Às vezes estar feliz (e ressalto o verbo estar, e não o verbo ser) parte pelo caminho complexo, mas às vezes é mais simples do que imaginamos mesmo, de graça. A tal felicidade é momentânea, variável, a forma de senti-la muda conforme o indivíduo, e aos poucos vamos percebendo isso se estivermos atentos a nós mesmos. Encerro por aqui perguntando novamente, qual é a sua concepção de felicidade?
Até breve! *Sabrina Lima é estudante de psicologia pela PUC-SP, é colunista da Rede Psicoterapias, onde escreve às quartas-feiras sobre cotidiano e contextos de crise em clínica ampliada. Além da Psicologia, é amante de música e das palavras, e atualmente se dedica ao estudo da escrita e suas formas de expressão como recurso terapêutico.
E-mail: slima.psi@outlook.com
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