Gol
- redepsicoterapias
- 23 de fev. de 2014
- 2 min de leitura
Era domingo. Chovia uma chuva fina e fria, que apesar do tédio e do clima melancólico, trazia um frescor mais do que bem-vindo em meio ao atípico verão paulistano. E como estava calor! Mas chovia naquele dia. A chuva refrescava meus pensamentos e eu conseguia me concentrar um pouco, ora na chuva, ora nos livros e na tela do computador.
Lá fora, tudo parecia tranqüilo. Até que os gritos começaram. O primeiro, foi um “gol” discreto. Na seqüência parecia que eu ouvia uma alma na sua plenitude. Que intensidade, de que fundos anímicos vieram aqueles muitos e muitos gritos. Era “gol”, era “gooooool”, era “qualquer coisa que eu não identifiquei”, era “goool” de novo, cada vez mais do fundo da caverna, com mais furor e maior rouquidão. E de onde vinha, meu Deus, tamanha força para gritar por um time de futebol?
Segundos depois, outras vizinhanças começaram a gritar gol - seria a diferença de tempo dos televisores ou o micro-cosmo do futebol expressava as diferentes demoras das ondas sonoras? E quando foi o gol, afinal? Quanta gente mobilizada e mobilizando, ao gritar a plenos pulmões, a paixão pelo time.
Agora, será que é paixão? Será que é o que? Dos outros não sei, mas do primeiro, garanto que vinha da alma, independente se for chamado de paixão, fanatismo, atuação ou entretenimento. Não faço ideia do corpo que ecoava a voz, mas me parecia um homem. Um homem com uma força interna e uma voz que são para poucos, viu?
Que time torcia o homem, meu Deus? Pra quem gritava tanto? Por que tão alto, por que pra mim, que tinha esquecido completamente do clássico que rolava no Pacaembu enquanto eu me preocupava com textos e com chuvas. Será, aliás, que o pressuposto homem das cavernas saiu na chuva para gritar? Sei lá, mas aposto que ele ficou rouco depois de manifestar sua paixão/felicidade/vingança/euforia/admiração... Era muita voz, muita alma, muita intensidade. Era mais do que o Corinthians, mas o que era, eu não sei. (depois soube que o gol havia sido do Timão em cima do Palmeiras, que depois empatou e o homem não gritou).
*Luisa Rosenberg é psicóloga clínica junguiana, graduada em 2011 pela PUC-SP. Aos sábados, escreve sobre as coisas do cotidiano; “crônicas psicológicas” falando, muitas vezes, sobre as artes para tentar falar da vida.
E-mail: luisarosenbergcolonnese@gmail.com
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