Desânimo: um sinal de alerta
- redepsicoterapias
- 24 de fev. de 2014
- 4 min de leitura
O desânimo toma conta de nós quando imaginamos que a possibilidade de alcançarmos nossos objetivos é remota e que para alcançá-los seria exigida de nós uma carga de esforço enorme sem que encontrássemos recompensas secundárias ao longo do caminho. Quando acreditamos que estamos perto de nossos objetivos e que o pior já passou, sentimos uma recarga extra de energia que nos anima até o final. Por essa razão, os que tentam nos ajudar quando estamos desanimados se esforçam para nos mostrar o quão perto estamos de realizar nossos objetivos, os benefícios de conseguir realizá-los, ou então, quando a derrota já estiver sacramentada, que ainda poderemos tentar novamente com grandes chances de sucesso. E essa é geralmente a atitude correta quando estamos envolvidos com alguma atividade específica, tal como a conclusão de um curso, de uma tarefa ou de uma meta. São nesses termos, por exemplo, que a torcida à beira da pista incentiva os maratonistas.
Mas, quando o desânimo toma conta da vida, talvez esse tipo de incentivo não seja a atitude mais adequada. Se a descrença na possibilidade de alcançarmos nossos objetivos e metas nos torna desanimados com a vida em geral, a insistência em animar crenças positivas na possibilidade do sucesso pode nos tornar vítimas de um otimismo vazio e desconexo com as reais possibilidades do presente. Pois, há objetivos e metas que são de fato bastante difíceis de serem alcançados. Assim, se condicionarmos nossa realização com a vida ao sucesso de metas e objetivos remotos, é possível que nos tornemos possuídos ou pelo otimismo histérico - que sempre acredita no melhor mesmo sem saber por quê - ou pela depressão - que só acredita no pior mesmo quando os fatos apontam na direção inversa. Além do mais, pessoas inteligentes, maduras e mais vividas, são pouco sugestionáveis a esses incentivos tão bem intencionados, mas também tão simplórios, que nos exortam sempre a manter o pensamento positivo e a crença nas possibilidades menos prováveis. É necessário, portanto, outra abordagem nesses casos.
Se a descrença na possibilidade de realizar nossos objetivos e metas nos deixa desanimados com a vida em geral, alguma coisa ao nosso redor está nos escapando. Pois, objetivos e metas remetem ao futuro, enquanto a satisfação com a vida só se encontra no presente. Por isso, se acreditamos que, na possibilidade de nossos objetivos e metas não se concretizarem, não haveria motivos para estarmos animados com a vida aqui e agora, há alguma coisa nesse aqui e agora, alguma coisa fundamental, cujo sentido está nos escapando. E se a satisfação essencial com o presente nos escapa agora, certamente ela também nos escaparia no futuro, mesmo se o sucesso de nossos objetivos e metas se tornasse realidade.
A incapacidade de encontrar no presente a satisfação fundamental com a vida nos torna dependentes da crença na possibilidade de realizarmos metas e objetivos futuros. Entretanto, o sucesso destrói metas e objetivos enquanto possibilidades futuras e nos deixa apenas com o presente. A realidade é sempre presente, e o presente sempre parece vazio para quem aprendeu a se nutrir do sonho de metas e objetivos futuros. Consequentemente, a realização de nossos sonhos também nos deixaria insatisfeitos, forçando-nos a traçar imediatamente novas metas e objetivos que nos nutrissem e nos servissem de compensação, mais uma vez, para o presente em que a satisfação fundamental com a vida nos escapa. Entretanto, para onde correríamos caso não houvesse mais tempo ou realidade possível em que pudéssemos traçar novas metas e novos objetivos?
O desânimo é um sinal de alerta; ele nos alerta para a incapacidade de extrair nosso sustento existencial das relações com coisas e pessoas reais. E, se nossa vida for, na verdade, muito pobre de relações, ele nos alerta para o tanto que o cultivo do mundo dos sonhos e ideais está nos deixando atrofiados para a vida. O desânimo é um sinal que nos avisa para procurar melhor, com mais boa vontade, entre as coisas e pessoas que nos rodeiam, a satisfação fundamental com a vida que acreditamos depender da realização de nossos objetivos e metas mais remotos. Ele é um sinal de que precisamos rever nossos valores, nossos paradigmas, nossos preconceitos; é um campo fértil para a reflexão quando não nos permitimos dominar pela pena de si mesmo.
É preciso tomar cuidado apenas para não deixar o desânimo nos paralisar. É esse medo que motiva todos os que nos dizem, diariamente, que não podemos desanimar jamais, e que é preciso seguir sempre em frente, sem parar e sem pensar demais. Mas, esse medo é diretamente proporcional ao vazio que domina o presente. Para quem vive no vazio, a sedução do desânimo é uma tentação difícil de resistir. É por isso que a maioria de nós prefere, atualmente, simplesmente continuar “correndo atrás” sem pensar demais. O efeito salutar das reflexões e revisões que o desânimo nos oferece como possibilidades poderia tornar nossa vida muito mais autêntica.
*Daniel Grandinetti é psicólogo de influência existencial e psicanalítica. Atua na clínica há 12 anos. Tem a graduação e o mestrado em Filosofia e atualmente é doutorando, também em Filosofia, pela UFMG. É ensaísta e publica seus textos na página 'Psicologia no Cotidiano' do Facebook: www.facebook.com/cotidianoepsicologia
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