O paradoxo da escrita
- redepsicoterapias
- 12 de mar. de 2014
- 3 min de leitura
O fato de usar a escrita como recurso não é algo novo na Psicologia. O psicólogo americano James Pennebaker foi um dos primeiros estudiosos do tema, e através da criação de oficinas de escrita com seus pacientes percebeu que a atividade da escrita usada de maneira regular permitia poderia ser uma grande aliada na condução de diversas situações.
A oportunidade de expressar as emoções através da escrita possibilitava que pessoas com dificuldade de falar sobre suas questões, tivessem um recurso alternativo para elaborar situações complicadas. Isso se mostrou efetivo nos casos mais diversos, desde redução de estresse e dor em portadores de doenças crônicas à elaboração de grandes situações traumáticas, principalmente em casos em que o suporte social não dá conta de acolher o sofrimento do indivíduo.
Mas de que modo isso funciona? Em um primeiro momento, é válido diferenciar o desejo de escrever das pessoas que passam por situações traumáticas do impulso de escrever vivido por alguns escritores literários. Um grande trauma pode ser inenarrável. Mas quando isso se torna possível, narrar algo que se passou não é somente lembrar-se do ocorrido, mas também reconstruir isso de modo diferente do que aconteceu naquele dado momento.
Essa reconstrução permite um novo olhar para o acontecido, trazendo novas possibilidades de compreensão e significações. Um dos pacientes mais emblemáticos de Freud redigiu suas memórias ao longo do tempo que esteve internado em um hospital psiquiátrico, e seu relato é extremamente rico em detalhes sobre o pensamento delirante. Disso resultou a obra que foi base a partir da qual Freud iniciou seus estudos sobre o narcisismo, posteriormente aprofundados no estudo das psicoses por Lacan.
Já no caso dos escritores, alguns autores entendem que a escrita seja um exercício externo que auxiliaria o indivíduo a trabalhar com o “excesso de tensão” causado pelos pequenos traumas cotidianos, dos quais sua vida imaginativa sozinha não daria conta de elaborar. Desse modo, o escritor utilizaria do ato de escrever como um meio habitual de “esvaziar-se” de tais tensões e assim compreender melhor o que vive.
Nesse sentido, a cada término de uma obra, livra-se de uma tensão, mas a própria criação em si deixaria um vazio a ser preenchido, fazendo com que a escrita seja buscada novamente. Isso, no nível mais extremo, poderia ser causador de desespero e de uma lógica perversa de trabalho. Um grande paradoxo, embora na prática as experiências não sejam divididas de maneira tão didática.
O que é importante ressaltar, é que a escrita organiza nossa experiência com o mundo. De modo intuitivo, muitos a utilizam como apoio para situações em que existe o desejo de expressar algo, porém nem sempre é encontrada a ressonância daquele que pode ouvir. Veja os diários, blogs, a obra escrita de tantos artistas ou mesmo as inocentes cartas de amor que nunca são entregues.
Finalizo esse texto pensando a qual grupo pertence essa atividade. Seria terapêutico escrever sobre Psicologia? E o que você diria de escrever sobre si mesmo? Talvez seja algo interessante de experimentar.
Até breve!
*Sabrina Lima é estudante de psicologia pela PUC-SP, é colunista da Rede Psicoterapias, onde escreve às quartas-feiras sobre cotidiano e contextos de crise em clínica ampliada. Além da Psicologia, é amante de música e das palavras, e atualmente se dedica ao estudo da escrita e suas formas de expressão como recurso terapêutico.
E-mail: slima.psi@outlook.com
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