Psicologia, esse amor bandido
- redepsicoterapias
- 31 de mar. de 2014
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Angustia é a claustrofobia da alma; é a sensação de estar enclausurado, sem saída, sem poder se mexer; é o desejo de ir além sem conseguir. Procurar alguém para conversar, nessa condição, pode parecer tão inevitável quanto perigoso, tal como a mosca deve se sentir ao procurar irresistivelmente a luz que pode queimá-la. Pois as pessoas em geral não sabem o que dizer a alguém angustiado. Elas oscilam entre conselhos gerais e simplórios, que não apontam direção alguma, e exortações sobre atitudes que nos sentimos impotentes para tomar. Tanto os conselhos que não apontam para lugar algum quanto as exortações que apontam direções impossíveis naquele momento só aumentam a claustrofobia de quem está angustiado. Dizer a palavra certa, aquela que nos faz crer na possibilidade de encontrar um caminho a trilhar, é uma arte dominada por poucos; arte difícil de se dominar a ponto de ter se tornado a especialidade de um profissional, o psicólogo.
É claro que o cursar uma faculdade não é suficiente para se dominar arte alguma. Por isso, não é todo psicólogo que sabe dizer a palavra certa na hora certa. Mas, o simples fato de termos transformado essa arte na especialidade de uma profissão revela o quanto nosso mundo é pobre daquele calor mais humano. E se o exercício da Psicologia aparece como paliativo para a falta de calor humano no mundo, é claro que não é possível ao psicólogo exercer a sua arte sem emanar esse calor. E assim como, em nossa vida diária, ninguém pode nos dar o calor humano que consola quando está premido por segundas intenções, também o psicólogo não pode exercer a sua arte se coloca o dinheiro ou suas próprias questões pessoais em primeiro plano. Para emanar o calor que sua arte exige, o psicólogo precisa estar sinceramente envolvido com as palavras e os gestos de quem está a lhe falar de sua vida. Esse envolvimento exige que ele lhe faça várias concessões. Além do dinheiro, ele também abre mão de seu conforto e sacrifica sua vida pessoal para cumprir a missão que acredita lhe ter sido designada: cuidar do sofrimento alheio.
No entanto, todo o romantismo que cerca a Psicologia para por aí. Na luta por se estabelecer profissionalmente, o envolvimento do psicólogo com as pessoas que ele atende é criticado como anti-profissional; sua arte é acusada de subjetiva, imprecisa e pseudo-científica. O trabalho que ele faz é avaliado como demorado demais e inadequado para um mundo que exige soluções cada vez mais imediatas. Ele observa um lento processo de substituição da arte de tratar as pessoas como pessoas pela técnica que as reduz a um organismo biológico; a substituição do psicólogo que escuta pelo aparelho que examina; do paciente que entra em contato consigo mesmo por aquele que ingere medicamentos. Acossado, ele encontra duas alternativas: aderir ao movimento que está matando a sua arte ou lutar contra ele sem qualquer garantia de êxito.
São muitos os psicólogos que aderem ao biologismo e ao cientificismo. Pautado na busca pela objetividade, o cientificismo rejeita os conceitos psicológicos em virtude de sua subjetividade e a arte de tratar as pessoas como pessoas em virtude de sua metodologia quase intuitiva. E os psicólogos que resistem a abandonar sua arte em favor do imediatismo lutam pelo desenvolvimento da Psicologia e pelo reconhecimento profissional num mundo que não reservou lugar para eles: São profissionais que não tratam as pessoas que atendem nem como clientes - uma vez que não podem vender seu serviço como produto, anunciá-lo indistintamente por meio de promoções ou usá-lo para satisfazer as demandas daqueles que pagam por ele - e nem como pacientes - umavez que não podem tratá-las como doentes e ocupar o lugar dos detentores da cura. São, portanto, profissionais que não apresentam um produto que possa gerar lucro imediato a terceiros, e que, muito pelo contrário, trabalham no sentido de libertar as pessoas de muitos dos condicionamentos que, apesar de lhes trazer sofrimento, são campo fértil para enriquecer quem tem o que vender. Esses psicólogos batalham para convencer os donos do dinheiro sobre o valor de primeira necessidade do serviço que prestam, e o pouco êxito que conseguem nessa luta se reflete na oferta praticamente inexistente de empregos para sua especialidade, no interesse quase nulo dos convênios de saúde em ofertar os seus serviços ou pagar decentemente por eles, e na inevitável conseqüência de precisar lutar como profissionais autônomos. E assim, além de lutar pela sobrevida da arte de tratar as pessoas como pessoas, o psicólogo pratica a arte de trabalhar por amor; amor pela Psicologia, essa bandida!
*Daniel Grandinetti é psicólogo de influência existencial e psicanalítica. Atua na clínica há 12 anos. Tem a graduação e o mestrado em Filosofia e atualmente é doutorando, também em Filosofia, pela UFMG.
É ensaísta e publica seus textos na página 'Psicologia no Cotidiano' do Facebook: www.facebook.com/cotidianoepsicologia.
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