As contradições do individualismo
- redepsicoterapias
- 7 de abr. de 2014
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O individualismo é a expressão da individuação levada ao extremo; é a individuação hipertrofiada. E por que razão a individuação seria levada ao extremo senão para compensar suas próprias deficiências? O individualismo expressa a individuação que, ao se esforçar por compensar sua má formação e incompletude, atinge a forma extremada de si mesma. E em que consiste a individuação mal-formada? A individualidade do indivíduo mal-formado é frágil, e sua fragilidade se expressa na ameaça que outros indivíduos representam para ela. Para o indivíduo mal-formado, a individualidade alheia representa a negação de sua própria individualidade. Pois, a individualidade do indivíduo mal-formado ainda não se realizou, e o contato com a realização da individualidade alheia lhe revela toda a natureza artificial de sua própria individualidade que, ao invés de individual, é individualista. Consequentemente, o indivíduo mal-formado, sentindo-se facilmente anulado pelas atitudes ou pela simples presença de outras pessoas, vê-se forçado ao distanciamento e ao estilo de vida que, na busca pela realização pessoal que exclui a realização de terceiros, denominamos ‘individualismo’.
O individualista se sente facilmente anulado pelos outros e por suas realizações porque sua autoestima é baixa. Nesse sentido, ele enxerga nos outros todo o valor que ele gostaria de ter e acredita não possuir. Os outros representam para ele o ideal da individualidade que ele ainda não realizou em si mesmo. Entretanto, ele também identifica neles a mesma carência de valor próprio que atribui a si. Se por um lado a identificação, na individualidade alheia, de um ideal ainda não realizado em sua própria individualidade significa, para o individualista, a atribuição ao outro de um valor que ele não encontra em si mesmo, por outro lado esse ideal ainda não se realizou nele próprio justamente por carecer do valor suficiente para tal. Assim, no fundo, o individualista despreza aqueles que considera superiores a si mesmo; ele despreza sua superioridade e não a considera superior o bastante para si mesmo. A superioridade que ele gostaria de realizar em si mesmo deve ser muito, mas muito superior a essa.
O individualista nutre rancores por quem ele considera superior a si; rancores que se expressam em críticas destrutivas e depreciativas, ou mesmo em atitudes flagrantes no sentido de derrubar ao chão aqueles que, de tão superiores a ele, não lhe podem ser nada mais que inferiores. Mas, na relação com quem ele considera inferior, as contradições não são menores. Na inferioridade alheia, o individualista identifica a mesma inferioridade que encontra em si. Assim, na presença de pessoas que ele julga inferiores, o valor de sua inferioridade é potencializado a tal ponto de ele se sentir sufocado por ela. De tão inferior, a presença alheia lhe esmaga com a superioridade de uma individualidade que sempre lhe faltou. Pois, para o individualista, as pessoas que ele julga inferiores também realizam um ideal que ele jamais conseguiu realizar em si: o ideal de conseguir existir na simples inferioridade.
O individualista não consegue se relacionar com os que julga superiores por identificar neles o ideal de superioridade que nunca realizou em si, e não consegue se relacionar com os que julga inferiores por identificar neles a realização do ideal de conseguir existir na inferioridade, que ele também nunca conseguiu realizar. O individualista não se identifica, no sentido próprio do termo, com ninguém; ele não se sente semelhante a ninguém. Nos outros, ele identifica apenas os ideais de individualidade que sua própria individualidade ainda não realizou. Por isso, seu estilo de vida é solitário. Ele só interage com os que julga inferiores quando se encontra em necessidade, mas nunca deixa de sonhar com o dia em que poderá se libertar da angustia sufocante da proximidade com quem considera tão inferior quanto a si próprio. Ele sonha em interagir com os que julga superiores, mas, quando consegue a façanha, descobre em si mesmo rancores que, inconscientemente, o lançam inexoravelmente na direção do isolamento.
Tanto as realizações pessoais dos inferiores quanto a dos superiores lhe revelam o vazio de sua individualidade que, ao invés de individual, é individualista. Por isso, seu sentido de realização pessoal é excludente: Ele só se realiza quando os outros não se realizam. Entretanto, sua realização pessoal, quando ocorre, também pode constrangê-lo. Uma vez que seu ideal de realização só se encontra realizado nos outros, realizá-lo em si próprio pode ter para ele o significado de uma transgressão, como se ele estivesse tomando para si uma posição que não lhe pertence - a posição que é do outro por direito. Por isso, não é raro que o individualista, na busca de sua realização pessoal, seja seu maior sabotador. São as contradições da baixa autoestima.
*Daniel Grandinetti é psicólogo de influência existencial e psicanalítica. Atua na clínica há 12 anos. Tem a graduação e o mestrado em Filosofia e atualmente é doutorando, também em Filosofia, pela UFMG. É ensaísta e publica seus textos na página 'Psicologia no Cotidiano' do Facebook: www.facebook.com/cotidianoepsicologia.
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