Tatuagens e Significações
- redepsicoterapias
- 7 de abr. de 2014
- 3 min de leitura
Por um bom tempo a única maneira de se conseguir fazer uma tatuagem era na prisão. Muitos psiquiatras forenses, ao observar esse comportamento dos presos, discutiram no meio acadêmico sobre a possibilidade de a tatuagem funcionar como uma armadura artística dos prisioneiros, que demonstrava para os outros o quanto eram "durões", mas que na verdade revelavam psicopatologias profundas. Houve até um psiquiatra que tentou classificar as patologias de acordo com a tatuagem que homens e mulheres escolhiam fazer; por exemplo, se alguém decidisse tatuar um dado, era classificado como psicopata. Entretanto, o mundo acadêmico não deu tanta importância para essa teoria; na verdade o que importava era que o ato de fazer a tatuagem, bem como conviver com ela diariamente era considerado patológico.
Hoje em dia a tatuagem passou a ser da ordem do coletivo e não mais de uma população específica e os tabus que a cercam diminuíram com o passar do tempo. Na verdade, as tatuagens têm significados sociais bastante diferentes dos de antigamente. Lendo um artigo sobre terapeutas que são tatuados e que precisam lidar com o fato de que o paciente verá suas tatuagens caso elas não sejam cobertas, comecei a pensar no público que se tatua e nos inúmeros motivos que levam alguém a se tatuar.
É possível que nos deparemos com pessoas que fizeram tatuagens em uma tentativa de representar memórias coletivas carregadas de afetos individuais. Por exemplo, muitos bombeiros que sobreviveram aos ataques às Torres Gêmeas de Nova York em 11 de setembro, decidiram tatuar alguma imagem ou frase em homenagem aos seus colegas de trabalho que não sobreviveram. Também temos o caso de judeus que muito embora não tenham vivido durante a Segunda Guerra Mundial, fizeram homenagens por meio de suas tatuagens aos milhões de pessoas que morreram no holocausto, uma vez que se identificam com a história vivenciada por seus antepassados.
As tatuagens ajudam muitas pessoas a resignificar experiências dolorosas pelas quais passaram. Vi uma vez, em um programa de televisão, um pai que fez uma tatuagem com a imagem da filha em suas costas. Muito emocionado, ele dizia que a menina havia sobrevivido a um câncer muito raro quando tinha apenas quatro anos de idade. O rapaz viu a experiência do adoecimento como fortalecedora do relacionamento que tinha e ainda tem com a filha. Muitas vezes, é a tatuagem que nos ajuda a simbolizar eventos traumáticos e a seguir em frente.
As tatus também podem funcionar como uma expressão de uma identidade própria e de autonomia, inclusive tendo como objetivo principal, mas inconsciente, a tentativa de desafiar alguma autoridade, seja ela religiosa, parental ou institucional. Todavia, há vezes também em que uma tatuagem pode ser apenas uma tatuagem, sendo que não possui nenhum significado emocional profundo atrelado a ela, mas apenas a vontade de possuir no corpo algo que aparentemente está ganhando muitos adeptos.
A parte interessante a respeito da tatuagem é, contudo, o fato de que nela há um encontro entre o mundo da fantasia e o concreto. O corpo é o responsável por dar concretude e expressão à fantasia em forma de imagem; assim, a tatuagem é responsável pelo colapso entre a fantasia e a realidade.
Uma tatuagem pode apresentar diversos significados e identidades para aqueles que a fizeram. Entretanto, a tatuagem não é rica apenas de significados pessoais e privados, pois quando exposta ao público, mexe com as significações daqueles que as veem. Ao final, forma-se uma teia de ideias e emoções em torno de uma única imagem, assim como em uma galeria de arte que está sempre em movimento.
*Natália Saab é formada em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2012). É psicóloga Clínica. Realiza atendimentos a crianças e adultos, tendo como referencial teórico a psicanálise. Possui experiência de estágio nas áreas da psicologia clínica, jurídica e escolar.
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