Entre ônibus e pessoas
- redepsicoterapias
- 10 de mai. de 2014
- 2 min de leitura
São Paulo, Avenida Doutor Arnaldo, ponto do metrô Clínicas. Sobe, pelos fundos, um passageiro de carona. Um moço bonito, mal cuidado e um pouco fedido. Sentou perto da porta e pôs-se a falar. Não havia ninguém com ele, ele tampouco dirigia-se a alguém. Olhadelas de relance para o falante e foco para longe da voz. Ninguém aproximava-se dele. Logo, o moço desceu, falando, aos nossos olhos atentos, sozinho.
A mesma São Paulo, Avenida Santo Amaro, algum ponto perto da Brigadeiro Luis Antonio. Pelos fundos, adentra uma mulher; calça marrom, casaquinho listrado rosa e branco, havaianas revelando as unhas sujas dos pés, cabelo preso sem capricho. Carregava em um dos ombros uma bolsa grande; parece que ela não percebeu, mas a bolsa “esmagou” a passageira que estava sentada na cadeira do corredor, no momento em que nossa personagem acomodava-se na cadeira da janela.
Ao meu lado, uma moça sorriu um sorriso apertado em solidariedade à esmagada, quando esta virou a cabeça para trás enquanto a bolsa a confrontava. O cheiro ruim logo chegou aos diversos narizes. Certo constrangimento se exalou no ar, junto ao cheiro.
Um ponto depois, aquela já citada passageira do corredor trocou de lugar. O ônibus enchendo e um lugar vazio. Uma mulher o enxerga, segue certeira, senta aliviada. Sem demora, levanta à procura de outra cadeira. O ônibus mais cheio ainda. Uns, nem sentam, com ar de “já vou descer logo”. Um homem, camisa branca, calça social, barriga grande, senta no lugar vazio. Eu olho, será que ele também vai se levantar? Ele permanece, entretido pelo Facebook, durante todo o tempo em que continuei na viagem.
Sem me ater a classificações, penso apenas no constrangimento e no incômodo que tais passageiros suscitaram nos demais – ou não. Um ambiente fechado, sem muito espaço para manter distância. Uma proximidade imposta. Como em qualquer vida em sociedade, o indivíduo, por princípio, depara-se com outros. É condição estar próximo, e em casos de transporte coletivo, salas de aula, salas de espera e afins o conviver é inevitável. A relação eu-outro está na base de qualquer subjetividade, nos tornamos indivíduos a partir da intersubjetividade, ninguém se constitui ser-humano sozinho.
O eu da equação muitas vezes se sente apenas um eu, sem outro. Às vezes, o outro e o eu se misturam, como na relação simbiótica entre mãe e bebê. Mas normalmente percebemos os limites do eu e do outro. Será? O que faz com que até aqui seja eu; o que define este eu que me diferencia do outro? Como os eus e os outros se relacionam, se constituindo e se segregando? Aonde inserir um outro que não condiz às expectativas sociais e vai contra os valores do eu? De que forma você, outro, convive?
E como você decide aonde sentar no ônibus?
*Luisa Rosenberg é psicóloga clínica junguiana, graduada em 2011 pela PUC-SP. Aos sábados, escreve sobre as coisas do cotidiano; “crônicas psicológicas” falando, muitas vezes, sobre as artes para tentar falar da vida.
E-mail: luisarosenbergcolonnese@gmail.com
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