A profecia
- redepsicoterapias
- 14 de mai. de 2014
- 4 min de leitura
"A cigana leu o meu destino / Eu sonhei! / Bola de cristal, jogo de búzios, cartomante / E eu sempre perguntei / O que será o amanhã? / Como vai ser o meu destino?..."
A resposta da pergunta cantada na música da Simone é objeto de desejo diário de todos nós. Tentar prever como serão as coisas é absolutamente normal, todo mundo faz isso. Estamos sempre fazendo leituras subjetivas de tudo e todos ao nosso redor, procurando elementos para criar nossas crenças e nos guiarmos, como se nosso destino estivesse traçado por forças além da nossa compreensão. Horóscopos, tarô, runas e demais oráculos são tentativas de antever algo que inicialmente não temos acesso.
Vamos supor que você acredita muito em horóscopo e hoje o seu signo disse que neste mês você vai encontrar um novo amor. Você fica radiante, compra roupas novas e começa a levar a sério aquela dieta que estava sempre de lado. Passa a acompanhar quais são as boas opções da noite, se torna mais comunicativo e faz novos amigos. Antes do final daquele mês você conhece uma pessoa e começam a namorar. Seu horóscopo é muito bom, né? Sempre acerta tudo! Pois é, só que não. Isso se chama profecia autorrealizável e, só para variar, a psicologia explica.
O sociólogo W. I. Thomas postulou, em 1928: "Se os homens definem situações hipotéticas como reais, elas serão reais em suas consequências". O que ele quer dizer é que acreditar que um determinado evento ocorrerá pode fazê-lo de fato acontecer, se este depender do comportamento humano. O caso acima é um exemplo disso. Não foi o horóscopo que previu seu namoro, mas acreditar nele fez com que você se comportasse de forma a tornar aquilo possível e, por fim, real. Outro bom exemplo de profecia autorrealizável é um rumor de escassez. Se você acredita que irá faltar detergente, vai correr nas lojas e comprar alguns a mais antes que acabem. Só que outros também farão isso. O resultado você já sabe.
Robert K. Merton, também sociólogo, registrou o termo "profecia autorrealizável" em 1968. Segundo seus estudos, tudo parte de uma interpretação, quase sempre errônea, de uma situação em andamento. A pessoa age como se a interpretação fosse real e quando isso acontece, o que já foi falso pode acabar se tornando verdadeiro, parecendo que sempre foi daquele jeito. Os psicólogos norte-americanos Claude Steele e Joshua Aronson conduziram estudos sobre isso. Em um deles, afirmaram que mediriam as capacidades matemática de homens e mulheres através de um teste. Na primeira aplicação, as mulheres tiveram desempenho abaixo dos seus colegas homens. Numa segunda aplicação, com novos participantes, os psicólogos falavam que mulheres costumavam ter resultados tão bons quanto homens nesse tipo de avaliação. Não surpreendentemente, os resultados se equilibraram. Mágica? Não. Aconteceu que a sugestão dos psicólogos anulou o poder de um estereótipo muito comum: mulheres são ruins em matemática. Quando se teme muito a confirmação de um estereótipo negativo, isso pode se tornar uma profecia autorrealizável. Não porque seja verdadeira, mas porque você não consegue parar de se preocupar que poderia se tornar uma prova viva daquilo.
Com pessoas não é diferente. Estamos, o tempo todo, rotulando e julgando. Quando você acredita que seu professor é bom, naturalmente se dedica mais, estuda mais, se comportando de forma a atender as expectativas daquele inigualável mestre. O contrário também ocorre. Se o professor acha que Fulano ou Beltrano é bom aluno, acaba dando mais atenção e respeito extra, o que acaba por tornar aquele indivíduo realmente um bom aluno. Essa retroalimentação pode ser positiva ou negativa. Se você, por algum motivo, acredita que aquela pessoa que acabou de conhecer é arrogante, agirá de forma hostil com ela, fazendo com que ela de fato seja arrogante com você.
Quando se trata de crenças, estereótipos e comportamentos, saiba que as coisas que você pensa ser verdade, tanto sobre você quanto sobre os outros, tendem a se tornar reais se tiverem tempo suficiente para isso. Uma percepção negativa vai te levar a previsões negativas e, sem perceber, você vai começar a manipular o ambiente ao seu redor para chegar nessas previsões. Ninguém gosta de estar errado, lembram? (3º artigo - o doce prazer de estar certo)
Não estou falando para comprar "O Segredo". Pensar de forma positiva não é garantia de sucesso, mas certamente pode evitar o cenário oposto. O que, na prática, pode ser o bastante para uma significativa melhora na sua vida. Não acredite tanto quando lhe disserem que não é capaz, que não consegue, pois isso pode ser o suficiente para você realmente não conseguir. Não dê ouvidos nem mesmo quando essas palavras vierem de você! Saiba que somos muito ruins em auto-avaliações (tema de artigo futuro). Não dá para saber como será o amanhã, mas se você acredita, continue lendo seu horóscopo. Vai que um dia ele fala que você ficará rico em breve?
Até a próxima...
*Luiz Medeiros é carioca e está se graduando em Psicologia pela IBMR - Laureate International Universities.
Admirador de tudo que envolve o ser humano e seus mistérios, escreverá às quartas sobre curiosidades da psicologia, do comportamento e das neurociências. Tudo em linguagem fácil e com pitadas de humor. E-mail: luizrjbrasil@gmail.com
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