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Você tem fome de quê?

  • Foto do escritor: redepsicoterapias
    redepsicoterapias
  • 1 de jun. de 2014
  • 3 min de leitura

Algo que sempre observo no modo de vida dos paulistanos é como os mesmos lidam com seu tempo livre e como significam o conceito de lazer. Sempre reparo em shoppings, restaurantes, bares, padarias, todos concorridíssimos aos fins de semana, por exemplo. A cultura da socialização atrelada ao ato de alimentar-se impera em nosso país, e é fato notável em uma cidade como São Paulo, famosa por ser “a capital da gastronomia internacional”. Sempre recebo convites para encontrar amigos e, tais encontros geralmente envolvem algum local gastronomicamente suntuoso. O apreço e a entrega à gastronomia e seus prazeres sublimes impõem-se com força total. São pontos onde amigos, familiares, desconhecidos se encontram e tem a oportunidade de interagirem; culturalmente há muito tempo nosso país atrelou ao ato de alimentar-se a uma série de outros valores simbólicos. Comer nunca foi somente comer, como bem percebeu Freud, esmiuçando o conceito de instinto e erigindo uma revolução no corpo dos seres falantes ao proclamar o conceito de pulsão. Comer é uma pulsão, não alimenta apenas o corpo, alimenta uma série de outras demandas que recortam e nutrem o corpo.


Há pouco tempo debrucei-me sobre o conceito de vazio, tentei algum tipo de teorização, de entendimento pelas vias acadêmicas. O vazio me chamava atenção, quanto mais me via cercada e perpassada por excessos. Na clínica, sujeitos reclamando de uma angústia sem nome, um tal de “vazio sem fim.” Não pude ir a fundo no conceito, o qual remete a mais uma das tantas questões existenciais, faladas já desde os tempos dos gregos até os dias de hoje. Em minhas pesquisas, deparei-me com o conceito de depressão. Ok, as depressões fazem com que o sujeito experimente algum tipo de sensação de vazio, mas ainda assim, não era este o tipo de resposta (ou falta de resposta) que eu procurava.


Foi num fim de semana qualquer, em uma manhã dedicada ao ócio, que tive a melhor de minhas respostas. Sentada na padaria, endossando os dizeres do começo deste artigo, observando e escrevendo (e comendo), fui invadida por apetites vorazes, como os que me circundavam. Comemos, e falamos, e rimos, e comemos. Lembro-me do meu médico pessoal, que sempre diferenciava enfaticamente: “você não pode comer apenas o que alimenta seu desejo, você tem que se lembrar também de alimentar seu corpo. Você sabe que tipo de alimento seu rim, seu coração, seu fígado gostam?” As padarias também não nos ajudam muito na difícil tarefa de cuidar da saúde, realizando sempre festivais de calorias, colesterol, açúcares em abundância. Ainda assim, comemos. Mas eu vi uma fome, senti uma fome... esta, não tinha nome.


Encerrando minhas digressões particulares, finalmente, parece-me que há uma fome insaciável a nos espreitar, uma boca voraz que tudo deseja provar e nenhum resto deixar, que não aceita o limite do corpo pesado, o limite da degeneração orgânica, da doença física. Uma fome que consome a si mesma, e consome qualquer tipo de desejo do sujeito que mal sabe mais o que ingeriu há meia hora atrás. Em meio a gulas, excessos, industrializados, não sabemos mais o gosto, o sabor dos alimentos, ou para que servem. Fazem bem ao coração? Mas quem se importa, se a medicina, no final das contas, há de resolver tudo? Não há uma pílula mágica ou uma cirurgia plástica que rapidamente consertam qualquer defeito na máquina humana? E quem se alimenta bem, sabe o que faz? Ou apenas é mais um servo do outro lado do discurso, aquele que ordena que você seja saudável, custe o que custar? Ao final, todos comem tudo de tudo, ou nada de nada, e continuam sem saber o que fazem ou por que o fazem. Resta sempre a velha questão: e você, tem fome de quê?



* Psicóloga e Psicanalista, Diretora e Supervisora da Clínica Espaço Savoir y Faire, especialista em Semiótica psicanalítica – Clínica da Cultura pela PUC-SP, mestranda em Psicologia Clínica pela USP. Realiza pesquisas no campo das psicoses e outros transtornos graves do desenvolvimento. Escreve artigos utilizando a Semiótica Psicanalítica enquanto instrumento de leitura dos fenômenos sociais e culturais. Colunista da Rede Psicoterapias ao domingos onde escreve sobre Psicologia, filosofia e arte.


Contato: gualda.lorene@gmail.com

 
 
 

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