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The book is on the table... no tablet... no sofá... no software...

  • Foto do escritor: redepsicoterapias
    redepsicoterapias
  • 13 de jun. de 2014
  • 6 min de leitura

Na coluna passada, demos uma rápida pincelada no quanto as aparências enganam. Não apenas "aos que odeiam e aos que amam", como célebre música de Sérgio Natureza e Tunai, imortalizada por Elis Regina, mas a todos nós, sobre os outros e sobre nós.


Processos culturais geram conclusões fáceis, do tipo "toda sogra é uma megera", "todo filho único é mimado", "todo árabe é terrorista", "todo alemão é nazista" e, só não se diz que "toda brasileira é bunda", porque Rita Lee disse: "Nananinanão".


"Bunda" é um termo para espaço tão nobre? Sim. Em primeiro lugar, porque, para se escrever algo, é necessário que a mesma esteja sobre a cadeira: faz parte do processo "criativo". Em segundo lugar, porque as palavras em si não são tão terríveis assim: o que importa é o contexto no qual aparecem. "Drummond" tem um poema intitulado exatamente "A Bunda, Que Engraçada", facilmente encontrado no Google, ou, melhor ainda, no livro "O Amor Natural", de 1992.


Temos certo pudor (cultural) em referimos-nos a certas palavras, quando ligadas ao corpo humano e suas idas e vindas (sem segundas intenções). "Menino, que coisa feia! A gente não fala 'bunda'!" Isso, ao caminhar com "Menino" (com "Menina", é ainda pior), pela rua, até o supermercado. Em lá chegando, encontra-se uma amiga e... e...: "Sabe o que aconteceu com o marido da Fulana? Tomou um pé na bunda!" Seja lá por qual motivo for; conjugal: a Fulana cansou-se do mancebo; ou profissional: foi demitido.


"Seio" também era complicado. Mulheres, até pouco tempo atrás, tinham busto. Igualzinho qualquer homenagem a Camões, Duque de Caxias, Pedro I (raramente a alguma mulher; algo me diz que aos homens era necessário mais "peito"), em praça pública. Mulheres ajeitavam a blusa, ao simples pensamento, ou menção à palavra seio. Era feio. Mas dá-lhe "no seio da família", "no seio da Igreja", "no seio da sociedade" e outros seios mais. Talvez daí a invenção de sutiãs com bojos.


"Gozar"? Na Psicanálise, quando alguém insiste e persiste em alguma atitude da qual esse próprio alguém se queixa, mas reluta, resiste, recusa-se a mudar (queixas conjugais, profissionais, sociais e outras mais), colocando-se na posição heróica de mártir, não necessariamente com direito a busto em praça pública, dizemos que deve ter algum gozo (alguma recompensa, alguma satisfação; orgasmos triplos, talvez), com a situação. É até título de livro (nada pornográfico), "Gozo", de autoria de Nestor Brownstein (Editora Escuta, 2007). Na infância de muitos de nós, a expressão "para de gozação" era comum. E não era censurada, pois o sentido, assim como na Psicanálise, não envolvia o gozo estritamente corpóreo. Nesse último caso, por sinal, caso se parasse de gozar, a Humanidade já teria acabado, creio eu.


Ditas essas poucas palavras, o que pretendo é transpô-las exatamente para o universo literário, nos quais as aparências enganam aos que rotulam, mas nem sempre aos que leem. Não apenas livros, mas cenários que se apresentam aos nossos olhos.


"Brasileiro não lê" e, entre os brasileiros, "a juventude lê menos ainda", dizem, com indisfarçável gozo, alguns. Será?


Curiosamente, em sua edição de 14 de maio de 2014, a matéria de capa revista Veja tratou dos benefícios de se ler (e escrever) ficção, tendo como mote o escritor norte-americano John Green. No bojo (ou seio) da matéria, um psicólogo que escreve ficção e referenda os benefícios elencados. "Nada de novo no front", diria a ficção, pois o filósofo e psicólogo Luiz Alfredo Garcia-Roza escreve envolvente literatura policial, Sir Arthur Conan Doyle não passou à História como oftalmologista, mas pela criação, em seus momentos de ócio (criativo), no consultório, do mais famoso detetive de todos os tempos, Sherlock Holmes. (Pelo jeito, a "clientela" preferia o escritor ao doutor). Guimarães Rosa também era médico e há uma biblioteca de grandes nomes que a vida levou à escrita. O interessante, no entanto, é que a matéria já sinaliza para o fato de ser Green o autor preferido da geração "conectada", tida e havida como avessa a livros.


Há quem alegue que as listas dos Mais Vendidos (notadamente a da Veja) são financiadas por editoras e nem de longe refletem a realidade do comércio literário no país. Claro! Aquele amigo que se acha melhor do que Machado de Assis, Guimarães Rosa, Dostoiévski e Tolkien, que fez aquele lançamento literário com cinquenta interessados na boca livre e orientou o fotógrafo a tirar fotos da convidada com o vestido justinho nas nádegas (Viu? Não usei o termo "bunda". Isso fez da intenção algo mais "cultural"?), ou fotos do andar de cima da livraria, pegando por dentro do decote da outra convidada (também não usei "seios"), fez questão de tirar fotos com as duas e pediu os e-mails de ambas para mandar as fotos, não está na lista. Portanto, a lista não é séria.


Mas, na referida edição, na categoria "Ficção", observamos o seguinte (fica melhor do que "algo chama a atenção, ão-ão-ão-ão): excetuando-se "Adultério", de Paulo Coelho, os "demais vendidos" pertencem ao universo infanto-juvenil. Paulo Coelho não é autor infanto-juvenil. Mas "Adultério" partiu de depoimentos colhidos na praia dos jovens (evitarei "galera", por razões de respeito a mim próprio e a quem me honra com a leitura): a internet. No mais, Green aparece com quatro títulos; Veronica Roth, com outros três; Markus Zuzak, com "A Menina Que Roubava Livros", e George R. R. (Tolkien - e não famoso pastor - manda lembranças) Martin, com "A Guerra dos Tronos". A geração conectada domina e, mesmo o título não direcionado a essa geração, tem um pé na conectividade.


E não se iludam, preclaros colegas: quem atende adolescentes tem que compreender certas coisas inerentes a eles. Isso inclui ler Green, esteja-se ou não afim. Mais do que uma rima, isso é uma solução. Não adianta blá-blá-blás e demonstrações de saberes sobre hebefrenia, em doses "ritalínicas". The book is on the table e The cow went to swamp (a vaca foi pro brejo): ou se decifra a meninada (gareeeeeeeeeeeeeeraaaaaaa! nunca!), ou seremos devorados, tal qual algum personagem da ficção que eles devoram.


Melhor é que os adolescentes estão menos "cintura dura": bailam entre os clássicos e os recentes, sem grandes dores lombares, e sim atenções às lombadas. A história de "A Culpa é das Estrelas", carro-chefe de Green, já adaptada para o cinema, trata-se de um amor sem final feliz, a la Romeu e Julieta. E o título é tirado de outra peça de Shakespeare, "Júlio César". Os adolescentes leriam certo, por linhas tortas?


O ponto é: somos nós quem desestimulamos a meninada a ler, classificando como idiotices os gostos literários deles e levando-os a abandonar a paixão pela leitura (expressa na lista de "Ficção"), ou eles resolveram rebelar-se contra a ditadura Machado de Assis e José de Alencar, imposta por muitas escolas? Somos nós, como pais e educadores, que torcemos o nariz quando os filhos nos pedem Harry Potter, a saga daquele vampirinho tchuco-tchuco e John Green e, com isso, os levamos a esperar por nós nas praças de alimentação dos shoppings, ou na loja de tênis, ou o que há? Green é apontado como nerd (o obsessivo por algo de interesse), Zuckerberg (um dos criadores do Facebook que a garotada - só ela? - tanto ama) era apontado como nerd, e a meninada que insiste-se em ver como interessada em nada está "nerdando" de braçada nesses mares. "Houston, we have a problem!": um número significativo de jovens descobriu que tem seios e bundas. Mas que eles não conflitam com os cérebros.


A meninada está comendo ficção. Mas não a que nosso gosto insensível ao novo leitor diz ser a indicada para eles. O que "culturalmente" queremos (de)legar a eles, com os nossos "Isto não é literatura!" (para alguns, Paulo Coelho também está nessa lista), "Isto não é música!", "Isto não é roupa!", "Isto não é cabelo!"? Ops! Será que "inconscientemente" a lista é da Veja e não da IstoÉ, exatamente por querer que se veja que isto não é... assim? Uma das coisas mais divertidas, num consultório, são algumas preocupações maternas quanto aos filhos não gostarem de ler. A gente abre a porta e a única pessoa, na sala de espera, com a cara enfiada no livro que traz nas mãos, é o que não gosta de ler. E o papo rola durante a sessão. Não só quanto à preocupante aversão a livros (só leu três esse mês e porrinha a paciência dos pais, que não querem comprar o mais novo volume de determinada saga, pois o filho precisa ler; eu, hein?), mas numa coisa a Psicologia ajuda e muito: a compreender-se cada vez mais, ao outro também, e aprender a ler a si e ao outro. É melhor do que figurar na mais conceituada lista dos mais vendidos. Pois não adianta estar lá, se nosso (auto)conceito engaveta o "original" e torna-nos simples cópias do que faz sucesso.


Por fim, como sei contar com leitores de bom gosto, não identifiquei a ilustração da primeira coluna publicada. Aí vai: "Saída de um baile de máscaras", do pintor José García Ramos (1852-1912), pois nada "Antes sêsse, mas não esse" do que uma máscara.


A ilustração dessa coluna é "Mulher lendo", do pintor realista iraniano Iman Maleki, nascido em Teerã, em 1976. Percebe-se ser uma jovem. E, culturalmente, alguns países do Oriente Médio não sentem-se muito confortáveis com mulheres tendo acesso ao conhecimento. Querem dizer o que elas devem conhecer. Precisa dizer mais? A não ser que consultórios de psicologia são perigosíssimos (assim como livrarias e bibliotecas) para quem não quer sair da desconfortável zona de conforto?



* Augusto Carlos Duarte é psicólogo clínico, tendo como referencial a Psicanálise. Presta atendimento individual a crianças, jovens, adultos e idosos, bem como terapias de casal, ou em grupo. Possui graduação também em Comunicação Social (Jornalismo). É colunista da Rede Psicoterapias, onde escreve às sextas sobre Psicologia e Cultura. E-mail: augduarte2@gmail.com

 
 
 

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