O Lixo dos Outros
- redepsicoterapias
- 14 de jun. de 2014
- 2 min de leitura
O resto, o descartado, o finito. O lixo. Aquilo que não nos serve mais, que estragou ou que acabou, deixando apenas vestígios. Em um lixo, outro dia, vi um aparelho de fazer abdominais, daqueles meio arqueados, com um lugar para a cabeça e o pedaço abaulado para apoiar as mãos e suavizar o movimento. Me pus a pensar por que aquilo ia para o lixo. Imaginei o plano deixado para trás. Aquele projeto antigo de entrar em forma que deve ter sido posto de lado e, finalmente, assumidamente descartado. Um plano antigo, alcançado, talvez, mas agora publicamente sem valia. No lixo, o aparelho de abdominais anunciava: “alguém mudou de planos”. A caixa vazia engordurada respondia: “e alguém comeu pizza ontem”.
Luis Fernando Veríssimo tem uma crônica que fala do lixo dos outros. Dois vizinhos se encontram pessoalmente pela primeira vez, mas já sabiam muito um do outro – ou do lixo do outro. Lá pelas tantas, o seguinte diálogo:
(...) Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
- Acho que não. Lixo é domínio público.
- Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros.
O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?
- Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...
O lixo mostra pro coletivo aquilo que não queremos mais. Fala de nós, da nossa parte rejeitada. Da parte rejeitada da sociedade. Um amontoado de não quereres. Enquanto humanos e civilizados, sempre necessitaremos de um cesto de lixo, de um intestino e de um lugar na mente para acumular resíduos. Resta saber o que fazer deles: adubo, novos planos, outras perspectivas, entupir bueiros, colares de garrafa pet...
Uma escolha que nos persegue mais do que nos damos conta: o que jogar fora, com o que ficar, o que consumir, o que mostrar, como colocar para fora de casa – ou de parte da vida - aquele “passado [que] é uma roupa que não nos serve mais”?
*Luisa Rosenberg é psicóloga clínica junguiana, graduada em 2011 pela PUC-SP. Aos sábados, escreve sobre as coisas do cotidiano; “crônicas psicológicas” falando, muitas vezes, sobre as artes para tentar falar da vida.
E-mail: luisarosenbergcolonnese@gmail.com
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