DROGAS: LEGALIZAR OU NÃO LEGALIZAR?
- redepsicoterapias
- 16 de jun. de 2014
- 4 min de leitura
Não vou me posicionar nem a favor ou contra a legalização das drogas no Brasil. Quero apenas discutir dois argumentos utilizados pelos defensores da medida.
1) O combate ao tráfico nunca funcionou. Portanto, é hora de legalizar.
Eu realmente não consigo encontrar lógica nesse argumento e sinto muita dificuldade em explicá-lo. Sua essência é a seguinte: se a proibição não funciona, então tem que liberar. O problema é que esse argumento pode ser usado para justificar a derrubada de todas as leis. Desde que Moisés desceu do Monte Sinai com a tábua dos dez mandamentos, há seis mil anos atrás, é proibido matar, roubar e cobiçar a mulher do próximo. Entretanto, o homem jamais deixou de matar, roubar e estuprar por isso. Seria, então, hora de legalizar a violência? Defensores da legalização das drogas alegam que o controle pelo estado diminuiria o uso indiscriminado e seus efeitos maléficos. E se a legalização da violência permitir passar ao estado o uso controlado de atos violentos será que o abuso de violência seria evitado? Existe um limite entre a violência abusiva e a não abusiva? É possível falar no “uso recreativo e controlado pelo estado” do roubo, do assassinato e do estupro? Da mesma forma, existe um limite entre o uso de drogas que não traga malefícios e o seu uso maléfico? A proibição da corrupção também nunca conseguiu diminuí-la, pelo menos no Brasil. Que tal se propusermos legalizar a corrupção para fins recreativos? Será que isso resolveria o problema? Muitos políticos certamente gostariam da proposta.
A essência mais profunda desse argumento é a premissa sessentista do ‘é proibido proibir’. Quem usa esse argumento tem a tendência de torcer o nariz para qualquer proibição por encontrar em todas elas uma restrição ao direito individual. O verdadeiro problema a ser discutido é: o indivíduo tem mesmo o direito de fazer o que quiser consigo mesmo? E se seu comportamento for considerado prejudicial a ele e puder contaminar outras pessoas? A ineficácia de uma proibição não é argumento para invalidá-la. Se a proibição tem se revelado ineficaz, então talvez seja preciso refletir sobre os meios usados para estabelecê-la. E se for o caso de debater a justeza da proibição, devem ser discutidos os malefícios que ela pretende evitar e considerar se eles justificam a proibição ou não. Se usarmos a ineficácia das leis como argumento para derrubá-las, o que nos impedirá de derrubar todas as leis que garantem direitos humanos, por exemplo?
2) Casos recentes de outros países provam que a legalização pode levar os crimes de morte ligados ao tráfico e ao uso de drogas a zero.
Esse argumento é apenas outra versão do anterior. Sua lógica também é absurda. Seguindo o mesmo modelo argumentativo, alguém poderia propor a legalização do estupro, por exemplo. A maioria das mortes que se seguem a estupros tem a função de calar a vítima para que ela não denuncie o estuprador. Portanto, se o estupro fosse legalizado, o estuprador não teria mais motivo para matar, e o número de crimes de morte ligados ao estupro também chegaria perto de zero. Legalizar um crime para diminuir a incidência de outros crimes ligados a ele é a forma mais hipócrita e barata de combatê-lo. Não faz sentido legalizar o estupro para evitar o assassinato das vítimas, porque o estupro encerra em si mesmo malefícios que precisam ser evitados. Portanto, é preciso que a lei proíba o estupro, não importa que outros crimes sejam praticados pelo estuprador no intuito de escapar às garras da justiça. E quanto às drogas? O uso de drogas também não encerra malefícios que precisam ser evitados, não importa que outros crimes sejam praticados pelo usuário e pelo traficante no intuito de escapar às garras da justiça? Então, o ponto que deve ser discutido pelos defensores da legalização é o seguinte: será a legalização um meio eficaz de combater esses males?
Outros argumentos de menor importância são os que apontam para o uso medicinal da maconha, por exemplo. Esse argumento é risível, pois quem o utiliza quer apenas legalizar o uso recreativo da droga. Entretanto, uso medicamentoso de droga alguma serve de argumento para a liberação de seu uso recreativo. Já pensou se usássemos o uso medicinal da morfina, do clorofórmio e do xarope de tosse para justificar seu uso recreativo? O que dizer então de quem usar a utilidade artesanal da cola de sapateiro como argumento para sair cheirando por aí?
Há ainda outro ponto importante. É sabido que, para os jovens, parte do “barato” de se usar drogas está no ato de transgressão e no sentimento de poder e independência que isso acarreta. Portanto, supor que a legalização controlada fará com que a juventude passe a fazer uso de drogas dentro dos limites estipulados por lei é uma ingenuidade. Assim, é possível que quanto maior for a amplitude da legalização, mais extremas sejam as formas de uso transgressivo escolhidas para manter o sentimento de poder e independência tão necessários para grande parcela dos jovens usuários.
A legalização das drogas é um assunto importante, mas os argumentos usados até o momento pelos defensores da medida são falaciosos, isso para não dizer hipócritas, ingênuos e egoístas. Em alguns casos, são motivados pelo desejo egoísta de usar drogas, e tratam com hipocrisia a consideração dos malefícios sociais dessa prática. Em outros, são motivados simplesmente pela adoção ingênua de premissas sessentistas de liberdade. É preciso que o tema seja discutido de forma mais madura e com argumentos mais pertinentes.
*É psicólogo de influência existencial e psicanalítica. Atua na clínica há 12 anos. Tem a graduação e o mestrado em Filosofia e atualmente é doutorando, também em Filosofia, pela UFMG. É ensaísta e publica seus textos na página 'Psicologia no Cotidiano' do Facebook: www.facebook.com/cotidianoepsicologia.
Daniel Grandinetti – Psicólogo da Rede Psicoterapias
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