A Mágica da Autoajuda
- redepsicoterapias
- 30 de jun. de 2014
- 3 min de leitura
Ninguém precisa de motivação para fazer o que quer. Quando o desejo é claro e desimpedido de medos, a motivação é sempre natural e vigorosa. Por essa razão, parece bastante contraditório que algumas das pessoas mais extrovertidas e entusiasmadas sejam as maiores adeptas das frases de efeito e exortações motivacionais da autoajuda. Para essas pessoas, seus breves ensinamentos são como o energético que as mantém freneticamente entusiasmadas, sem desistir, sem nunca deixar de acreditar, nunca parar de correr atrás. Entusiasmadas com o que? Com seus projetos! Sem nunca desistir de que? De sonhar! Sem nunca deixar de acreditar em que? Na possibilidade de seus objetivos! Sem nunca deixar de correr atrás do que? Da realização de seus planos! Projetos, sonhos, objetivos e planos são as palavrinhas mágicas da autoajuda. E a mágica da autoajuda faz com que os mais sugestionáveis continuem entusiasmados, persistindo, acreditando, sonhando e correndo, correndo, correndo... O importante é nunca pensar, nunca sentir, nunca deixar estar. Quem para fica para trás! É preciso se movimentar, nunca perder tempo, sempre produzir, viver em atividade, correr, correr, correr. Temos que ser proativos, dinâmicos, comunicativos, saber trabalhar em grupo e liderar, estarmos abertos a novas ideias, sempre prontos a assumir uma nova função! Se você quiser, você consegue! Por trás de toda a forma simplória, fútil e irrefletida dos ensinamentos da autoajuda reside seu grande fundamento: ela está coberta de razão. No mundo em que vivemos, se você parar para descansar, vai ficar para trás. Se não acreditar na realização de seus projetos, dificilmente vai se sair bem sucedido. E se quiser realmente realizá-los, não desistirá diante dos obstáculos e buscará novas alternativas, caminhos e soluções, com dinamismo e criatividade. O que a autoajuda não se dá conta é que se ela precisa martelar na nossa cabeça que não podemos parar, deixar de acreditar e desistir, muito provavelmente nosso desejo mais íntimo é parar de vez com a vida que levamos, reconhecer que nossos objetivos são uma farsa e desistir de correr atrás deles. A autoajuda nos empurra uma vida que não desejamos, e o empurrão que ela nos dá faz a contrariedade se parecer com o entusiasmo. A mágica da autoajuda consiste em nos ensinar a usar a força da contrariedade como motivação. E como ela faz isso? Ela nos convence que a vida detestável que tenta nos empurrar goela abaixo é a vida que desejamos em nosso íntimo. Mas... como ela consegue isso? Simples! Apresentando-nos essa vida como a única possível. A autoajuda nos oferece duas alternativas: ou aceitamos as regras do jogo ou afundamos na miséria de uma vida fracassada e sem propósito. Diante de alternativas tão radicais, a solução é nos convencermos que a muralha de contrariedade que se encontra em nós é o que nos torna fortes para jamais parar, nunca desistir e sempre acreditar. É evidente que, se nossa contrariedade pudesse se transformar magicamente em motivação, não precisaríamos dos empurrões diários da autoajuda para continuar assim tão entusiasmados com nossos sonhos, planos, projetos e objetivos; não precisaríamos repetir diariamente, como um mantra, que conseguiremos tudo que quisermos, que é preciso nunca deixar que alguém nos diga o contrário, e que não podemos jamais deixar de sonhar! Falta autenticidade na vida que a autoajuda nos apresenta como sonho. Por isso, se não repetirmos sem parar que conseguiremos o que queremos, acabaremos percebendo que na verdade não queremos conseguir; e se pararmos de repetir que não podemos permitir a alguém nos dizer o contrário, acabaremos compreendendo que esse “alguém” somos nós próprios. Quem foge de si mesmo age como o cão que foge do próprio rabo. Assim, a autoajuda não nos deixa parar de correr, correr, correr... Vivemos correndo atrás do que não é nosso e aprendendo diariamente a transformar nossa angústia naquela motivação ansiosa que, de tão eufórica e tão histérica, está sempre à beira do abismo da depressão. É preciso parar para refletir na vida que desejamos. Esse é o papel da Psicologia. É por isso que a Psicologia não pode se misturar à autoajuda.
** de acordo com a reforma ortográfica, na imagem publicada, onde se lê auto-ajuda, lê-se autoajuda.
*É psicólogo de influência existencial e psicanalítica. Atua na clínica há 12 anos. Tem a graduação e o mestrado em Filosofia e atualmente é doutorando, também em Filosofia, pela UFMG. É ensaísta e publica seus textos na página 'Psicologia no Cotidiano' do Facebook: www.facebook.com/cotidianoepsicologia.
Daniel Grandinetti – Psicólogo da Rede Psicoterapias
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