De boas intenções o inferno está cheio
- redepsicoterapias
- 2 de jul. de 2014
- 4 min de leitura
Olá, queridos leitores. O título acima permeia nosso assunto de hoje. Vamos abordar um tipo que todo mundo conhece: o bonzinho. Também chamado de gente fina, legal, "best", fofo, querido, entre outros nomes, de alguma forma todos nós conhecemos um. Ele é aquele namorado que faz qualquer coisa por você. É aquela amiga que concorda com tudo o que você diz. É aquele colega de trabalho que está sempre fazendo o serviço dele e o seu, sem reclamar ou pedir nada em troca. Muito bom ter alguém assim por perto, não é? Mas e se o bonzinho não for assim tão bom?
Não querendo entrar na onda atual de patologização de comportamentos, nem querendo assustá-lo, mas talvez seu namorado, sua amiga e seu colega de trabalho não sejam tão legais assim. Talvez eles sofram de Transtorno de Personalidade Dependente e nem saibam.
O indivíduo com Transtorno de Personalidade Dependente (TPD), que aqui chamaremos carinhosamente de bonzinho, sofre com excessiva necessidade de validação de seus atos através da aprovação de terceiros, sendo quase totalmente dependente dos outros para tomar suas decisões. O comportamento submisso é fruto do medo patológico de ser abandonado, acrescido de baixa autoestima e visão deturpada de si mesmo, enxergando-se como incapaz de ser feliz sem auxílio de outras pessoas. Nesse prisma, os outros são sempre mais capazes de lidar com as coisas, mais confiantes, seguros, poderosos, inteligentes e sortudos.
Encoberto por suas boas intenções, o bonzinho na verdade só está pensando em si próprio quando faz coisas boas. A necessidade de aprovação é o que move esse indivíduo, de forma que fará de tudo para obter tal retorno daqueles que o cercam. Em um relacionamento amoroso, por exemplo, o bonzinho será o cara perfeito, sendo aclamado pelos seus pais e até pelas suas amigas (que o adoram). Ele fará todas as suas vontades e caprichos, tudo isso dizendo que te ama de mil maneiras possíveis por hora. Mas não se engane, todo esse cuidado é uma tática, ainda que inconsciente, de aprisionar as pessoas em favores pessoais. Daí, conforme o tempo passa, você vai percebendo algumas coisas fora do contexto e, mesmo sem ter muita certeza do que está fazendo, resolve terminar com o bonzinho. É nesse momento que as coisas mudam. Além de ter que ouvir de todo mundo que está desperdiçando uma pessoa incrível, ainda terá que conviver com a culpa que ele fará questão de atribuir-lhe, fazendo com que você se sinta péssima e fique um bom tempo sofrendo a dor de ter abandonado alguém tão bom. E ele? Vai estar com outra "sortuda" em pouquíssimo tempo, não se preocupe.
Só não pense que por isso a vida do bonzinho é fácil. Por ser um comportamento agradável socialmente (ele quase sempre é querido por todos), o sujeito que sofre esse tipo de transtorno geralmente sofre sozinho e demora bastante para procurar ajuda. As pessoas que o cercam muitas vezes também não percebem que por trás de toda aquela benevolência há muita angústia. Imagine alguém que tem receio de expor suas próprias opiniões por medo de não ser aceito. Alguém que vive de acordo com a vontade dos outros. Alguém que nega sua própria individualidade em troca de mais atenção e apoio. Esse é o portador de TPD.
Existem diferenças entre ser bom e ser bonzinho. No primeiro caso, há uma escolha pensada e fundamentada, proporcional à necessidade em jogo. Há equilíbrio entre a necessidade de quem quer ajudar e a de quem quer ser ajudado. A pessoa de bom coração sabe quando deve ou não ajudar e sabe se posicionar sobre sua capacidade de beneficiar ou dar um basta em determinadas situações. Já o bonzinho oferece apoio irrestrito, surgido de uma base de carência, fragilidade e necessidade de aprovação infinita. Ele ajuda acreditando que está desprendido de resultado, mas na verdade tem uma demanda gigantesca e reprimida de afeto e atenção.
Lidar com uma pessoa assim pode ser complicado, mas existem saídas. Se você identifica alguém com características parecidas, a melhor delas é encorajá-la a procurar uma psicoterapia. O psicólogo poderá verificar se realmente há algum problema nesse (ou em outro) sentido. Havendo necessidade, realizará uma investigação sobre a origem do problema e ajudará o indivíduo a exercitar a sua assertividade, dentre outras questões. Para quem sofre de TPD é muito difícil perceber a compulsão e o exagero em suas ações, ao contrário do que é para quem olha de fora.
O objetivo desse artigo não é ensiná-lo a diagnosticar seus amigos, mas sim o alertar de que nem toda patologia emite comportamentos inaceitáveis ou sintomas claramente aparentes. Por isso, se está em dúvida sobre aquele amigo ser realmente tão bom quanto parece, recomende psicoterapia ao mesmo. Patológico ou não, ele se sentirá melhor. E cuidado com alguém que está sempre pronto para agradá-lo a qualquer preço. Assim como o inferno, o nosso mundo também está cheio de pessoas bem intencionadas.
Até a próxima.
*Luiz Medeiros é carioca e está se graduando em Psicologia pela IBMR - Laureate International Universities.
Admirador de tudo que envolve o ser humano e seus mistérios, escreverá às quartas sobre curiosidades da psicologia, do comportamento e das neurociências. Tudo em linguagem fácil e com pitadas de humor. E-mail: luizrjbrasil@gmail.com
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