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Vencer ou derrotar

  • Foto do escritor: redepsicoterapias
    redepsicoterapias
  • 11 de jul. de 2014
  • 7 min de leitura

Parecia conta de mentiroso.


O algarismo 7 apresenta dois lados, como toda boa moeda: a perfeição, expressada por sua representatividade bíblica; e a mentira, pois diz a sabedoria popular ser o 7 "conta de mentiroso".

A derrota brasileira para o selecionado alemão, pelo placar de 7 a 1, a maior derrota na História do futebol brasileiro, foi uma verdade dura de se aceitar. Um pesadelo vivido de olhos não só abertos, mas arregalados a cada tento alemão.


E creio ser um bom momento para se trabalhar alguns conceitos e participações da Psicologia em nosso dia-a-dia.


O primeiro conceito é o de trauma: um dano emocional decorrente de um acontecimento e que pode ou não "desenterrar" memórias traumáticas.


Tão logo o jogador Neymar Jr. sofreu a agressão por parte do jogador colombiano Zuñiga e que o colocou fora da Copa, não faltaram lembranças das Copas de 1962, quando Pelé também contundiu-se no segundo jogo da Primeira Fase, mas o time superou o fato e sagrou-se bicampeão mundial; e da Copa de 1966, quando o mesmo Pelé foi caçado em campo e o Brasil não levantou a taça pela terceira vez.


Em 2014, houve um trauma, precedido por um descontrole emocional que teve como palco o mesmo Mineirão, contra o Chile, e minimizado pelo trabalho da psicóloga da seleção. Mas foi um trabalho aparentemente mais "farmacológico", como tomar um remedinho (mas que fique claro que psicólogos não podem prescrever medicações, portanto é figura de linguagem) e não consistente, como uma terapia.


Outro conceito é popularmente conhecido como apagão: sob forte estresse emocional ou situação inesperada, uma pessoa pode ter um branco. Quem assistiu o filme "O Resgate do Soldado Ryan" deve se lembrar que o capitão, vivido pelo ator Tom Hanks, tinha "apagões", que o desconectavam do momento e da situação presentes: ele aparentemente não via ou ouvia nada.

Mas o mais frequente não são traumas e apagões, mas a forma como lidamos com o mundo, aparentemente de forma "normal".


E o que é "normal"? Em nossa sociedade, é ser o melhor. E aí é que mora o perigo. Melhor a cada dia, o que tem a ver com aprimorar, ou melhor do que alguém, o que por vezes tem a ver com se envenenar, cobrar-se excessivamente, culpar-se e punir-se?


Como não pretendo traumatizar os leitores, abro mão de falar diretamente sobre futebol e coloco quem campo o universo do rock.


Nos anos 1960, entre os vários ídolos e os vários festivais antológicos, existia um grupo inglês, chamado The Who, um guitarrista norte-americano conhecido como Jimi Hendrix e um festival que fez sombra a Woodstock: o Monterey Pop Festival, realizado em 1967. The Who e Hendrix participaram do evento, assim como Janis Joplin e outros tantos.


Próximo de suas apresentações, o líder do The Who, o guitarrista Pete Townshend, pediu ao empresário de ambos para o grupo apresentar-se antes de Hendrix. O empresário não viu nenhum inconveniente e assim foi feito.


Rock rolando solto e Townshend, como que possuído, pega sua guitarra, espatifa-a contra o chão do palco, contra os amplificadores, esquece-se que a plateia queria ouvir o som do grupo, que seus colegas de banda queriam tocar rock (a foto que ilustra a coluna mostra o vocalista Roger Daltrey esquivando-se da fúria de Townshend) e faz seu showzinho particular, com direito a um pulo, com as pernas abertas, que virou poster a enfeitar os quartos de nove entre 10 roqueiros.


Terminada a apresentação, ele desce do palco, dirige um olhar de desprezo a Hendrix, como que a desafiá-lo a fazer algo que superasse o impacto do que acabara de acontecer.


Hendrix sobe ao palco, à frente de seu trio, toca do seu jeito próprio algumas músicas, com direito a guitarra nas costas e também tocada com os dentes e, enquanto seu baixista e seu baterista mantêm uma pulsação tribal, deita a guitarra no chão, retira do bolso uma latinha de fluido de isqueiro, acende um fósforo e faz do instrumento uma pira ritual, enquanto se movimenta ao som da dupla, numa celebração que entrou para a história. Se alguém mostrou que o rock literalmente é uma música "quente" e uma celebração foi Hendrix.


Um atônito Townshend, sem entender ter sido humilhado por um "crioulo" norte-americano, sendo que teve todo o tempo para fazer seu showzinho, viu Hendrix sair do festival como o grande nome do evento. Pior: sair tranquilão, "cool", sem grandes estrelismos, apenas extenuado ao fim de uma celebração.


O que isso tem a ver com o futebol e com a Psicologia?


Tudo.


Vencer e derrotar não são sinônimos. Ou derrota e vitória seriam sinônimos. O vencedor é o melhor, mas não necessariamente aquele que precisa derrotar alguém. O "derrotador" precisa do outro, esquece-se de si, de seu entorno, para focar apenas no outro. Precisa humilhar, preferencialmente; precisa olhar o outro por cima.


No caso do futebol e da vitória alemã sobre a seleção brasileira, derrotar poderia ser perfeitamente pelo placar de 1 a 0. Já permitiria uma festinha boa, da parte deles. Mas os alemães não estavam com raiva, não queriam humilhar, foram os jogadores que mais se divertiram e interagiram (logo os rotuladamente "tão fechados alemães") com os brasileiros, foram os que mais consciência tiveram de que tinham que superar não aos outros, mas a si próprios, tinham, enfim, que aprimorar-se. Trabalharam em equipe, saíram de campo com a maior goleada da competição e o artilheiro das Copas, que não o seria sem seus companheiros.


Não derrotaram o Brasil: venceram seus medos, suas deficiências, o cansaço de chegar à partida após uma prorrogação, cada um estava ali para se superar.


Uma terapia é exatamente isso. Tudo bem que pode ser necessário "esvaziar-se" do outro - pai não amoroso, mãe exigente, patrão assediador, marido frio, esposa reclamona, filho irresponsável, sogra... bacana, legal, prestativa, linda, gentil, maravilhosa, um doce... e por aí vai. Mas há um momento, uma vez esvaziado(a), que é preciso fortalecer-se, não tremer ante "adversários" e desafios, sentir-se capaz de vencer. Ou seja: sentir forte o suficiente para não ser derrotado e não necessariamente para derrotar o outro. Na verdade, a terapia é um convite, mais do que a vencer, a "vem ser".


Os brasileiros, em contrapartida, jogaram para vencer por um ausente (só quem estava em campo poderia fazer alguma coisa), pareciam querer lançar a bola para alguém que está em casa, num processo de recuperação que esperamos dê-se o mais rápido possível, marcar e ser o artilheiro da Copa.


Nossa cultura sempre nos coloca em oposição a alguém ou a alguma coisa. Com isso, temos a visão errônea da frase do filósofo Sartre sobre o inferno ser os outros, quando é, na verdade, nossos outros "eus".


Unificar esses "eus" e fazer deles um time coeso, que vai errar um ou outro passe, perder um ou outro golzinho, mas será a atuará como um time, é o propósito de toda boa terapia.


A vida, aos poucos, vai-se mostrando ser o campo dos que vencem e não dos que derrotam.


E lanço mão de outro exemplo do rock: os Beatles podiam perfeitamente deitarem-se na fama criada, mas resolveram parar de excursionar, no auge da fama, pois não estavam se aprimorando como músicos e sentiam que podiam tocar qualquer coisa, que uma plateia ensandecida, que nem os ouvia, iria ter orgasmos musicais triplos.


- "Mas espera aí: então eu não posso derrotar o medo?"


A partir do momento em que você pensa em derrotar o medo, você já o coloca como algo real, no qual você pode dar um tiro, uma porrada, jogar uma bomba (ops! estou filosofando e o propósito não é esse, pois isso é seara da sra. Popozuda).


Vencer pode levar a algumas lágrimas misturadas com sorrisos, mas é mais suave. Eis alguns significados da verbo vencer: "conseguir vitória sobre (não necessariamente alguém ou algo externo); triunfar, obter vantagem sobre; ter bom êxito acerca de; lucrar; auferir (nada a ver com ferir); exceder; ter primazia sobre; conter; subjugar; dominar (tentações, por exemplo, e não terceiros). Ao passo que "suave" pode ter como sinônimo "agradável".


Numa terapia, o paciente não precisa de algo ou alguém externo para derrotar. Precisa, via de regra, não trazer para dentro de si, carregar (carga nada suave), ou incorporar, certas coisas. Uma versão "saia dessa mente que não te pertence", do tradicional "saia desse corpo..."


Mas sem rituais, sem encenações. Um dia, percebe-se que não é preciso sair de casa levando todos os adversários e sim na companhia de seu melhor amigo: você mesmo, se você assim o permitir.


Adversários não têm por norma permitir que vençamos os jogos. Vai por mim: vencer pode ser bem mais suave, caso você não tenha em mente ver o outro derrotado e sim ver você vitorioso.


Ah,... e nem sempre a vida coloca em nosso caminho um "empresário" que nos diga:


- "Ok, pode se apresentar primeiro!"


E, nesse caso, não se apresentar primeiro pode ser fator de ansiedade e irritabilidade.


Você pode sentir sua própria ansiedade e trabalhar para vencê-la. Ou pode sentir a ansiedade do outro e trabalhar para derrotá-lo. Mas vai que o outro não está nada nada ansioso e ele sinta a sua? Pessoas que "derrotam" trazem em si uma ansiedade bem presente, ao passo que pessoas que vencem não necessariamente a trazem.


Convém cuidar primeiro de si. Vencer exige preparação, disciplina (não ir à terapia só quando for conveniente), meta e força de vontade. E não há como escalar substituto para sua posição, caso queira estar em campo. A vida não é um videogame e o controle não está numa caixinha com baterias recarregáveis, que você manuseia do sofá.









* Augusto Carlos Duarte é psicólogo clínico, tendo como referencial a Psicanálise. Presta atendimento individual a crianças, jovens, adultos e idosos, bem como terapias de casal, ou em grupo. Possui graduação também em Comunicação Social (Jornalismo). É colunista da Rede Psicoterapias, onde escreve às sextas sobre Psicologia e Cultura. E-mail: augduarte2@gmail.com

 
 
 

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