Gol!
- redepsicoterapias
- 13 de jul. de 2014
- 2 min de leitura
Eis que, finalmente, temos a tão sonhada Copa no Brasil. “O futebol está voltando para casa” – dizem as propagandas. Engraçado pensar que o futebol tem uma casa, e que seríamos nós os donos. Donos...de quê?
Passamos meses nos rebelando, aproveitando a onda de “quase-revolução” que tomou-nos subitamente, fomos às ruas, gritamos, nos manifestamos, fomos violentamente reprimidos pelos órgãos públicos, principalmente pela polícia, esta que mal sabia o que fazer frente aos novos acontecimentos. Acredito que eles próprios devem ter se questionado: “o que fazer?”. Ou: “isto é tarefa de um policial?” Havia dinheiro para reformar estádios, como sempre houve. Havia corrupção, desvios gigantescos de verbas, superfaturamento de obras públicas, como sempre houve. Mas o alvo da vez era a Copa, eleita como o inimigo do momento.
De tempos em tempos, nos unimos enquanto grupo e elegemos um inimigo comum, para nos erguemos contra, como já lembrava Freud, no texto “Psicologia das Massas e Análise do Eu”. E quem disse que o inimigo deveria ser a Copa? Quem é o inimigo, afinal? É aquele que mata um profissional em serviço quando atira um rojão? É aquele que desvia verbas públicas? É aquele que utiliza spray de pimenta em um manifestante já rendido? É aquele (ou aqueles) que impõe(m) a realização da Copa em determinado país?
Feito manada assustada e bem domada, aguardamos o rumo da vez. Corremos para lá e para cá, enlouquecidos, alienados em uma enxurrada de discursos ambíguos, disformes, que se proliferam e mudam a cada milésimo de segundo. Permanecemos entontecidos em meio a informações que os meios de comunicação nos empurram goela abaixo, cada vez de forma mais agressiva e célere. Sempre, nestes momentos, remeto-me a uma frase que o filósofo e sociólogo esloveno Slavoj Žižek proferiu, certa vez, em uma palestra aqui no Brasil, a qual tive o prazer de participar: “don’t let the enemy tell the subject”, ou seja, não deixe o “inimigo” apontar o assunto a ser discutido. Devemos discutir e questionar, sempre. Mas a pergunta é: o que devemos questionar ou por que questionar isso ou aquilo? E, obviamente, refletir sobre que tipo de “inimigo” apontamos a cada instante, a cada nova notícia, a cada nova informação.
Em meio ao caos urbano, a turistas de todas as partes do mundo, à alegria e esperança de alguns, à revolta de outros, ruas enfeitadas, bandeiras verde e amarela espalhadas pela cidade, características paradoxais tão típicas de nosso país, do nosso povo, escuto um grito de gol. Gol de quem, afinal? Boa copa a todos, independente de quem seja o campeão.
* Psicóloga e Psicanalista, Diretora e Supervisora da Clínica Espaço Savoir y Faire, especialista em Semiótica psicanalítica – Clínica da Cultura pela PUC-SP, mestranda em Psicologia Clínica pela USP. Realiza pesquisas no campo das psicoses e outros transtornos graves do desenvolvimento. Escreve artigos utilizando a Semiótica Psicanalítica enquanto instrumento de leitura dos fenômenos sociais e culturais. Colunista da Rede Psicoterapias ao domingos onde escreve sobre Psicologia, filosofia e arte.
Contato: gualda.lorene@gmail.com
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