Tinder, relações e modernidade
- redepsicoterapias
- 23 de jul. de 2014
- 3 min de leitura
Minha última publicação falava sobre os finais; não especificamente os amorosos. Mas os papos que vieram depois do texto foram basicamente nessa linha; conversei; explorei. Aí me peguei pensando sobre não somente os finais, mas também os começos. De que modo as pessoas se conhecem atualmente?
Com questões não respondidas e após ouvir, decidi experimentar o que me disseram ser o mais moderno meio de conhecer pessoas: instalei o aplicativo Tinder. Poderia parecer insensato escrever um texto aqui sobre essa experiência, mas tenho uma grande curiosidade pelos novos modos de relacionamento, e decidi me expor a isso. Para quem não conhece a ferramenta, o Tinder checa sua localização atual e utiliza suas informações do perfil do Facebook para mapear quais pessoas possuem amigos e interesses semelhantes aos seus, nos arredores. Nos perfis existem fotos e, caso as duas pessoas gostem uma da outra, o aplicativo avisa, e elas podem começar uma conversa no chat interno.
Particularmente, achei uma sacada incrível, mas ouvi inúmeros comentários contraditórios, em sua maioria negativos. Acho muito difícil decidir em segundos se algumas fotos e coisas em comum são suficientes para julgar alguém apto ou não para se envolver. Mas acho que a disponibilidade a conhecer é inerente ao humano, abraçando o outro como pessoa também.
Como sempre, meu texto não traz respostas. Traz um milhão de perguntas: nossos modos de se relacionar estão banalizados ou simplificados? Estamos quebrando barreiras e ficando mais próximos, ou apenas nos afastando mais do tato e da voz das pessoas? A comunicação é outra, a comodidade está mais valorizada do que o desafio?
Sem dúvida, vivemos em tempos em que a imagem e o imaginário, aquilo que projetamos e idealizamos sobre o outro, em muito superam os modos reais de se relacionar com as pessoas. Felicitações de aniversário são online, grupos de amigos se falam constantemente pela internet e quando se encontram, é raro que se desconectem; receber uma ligação no telefone soa como uma urgência. Todos nós temos modos de nos apresentar aos outros, que escondem nossos deslizes internos. Estamos dispostos a progredir quando a “máscara” do outro cai? Que isso não soe pejorativo, mas, ao conhecer melhor as pessoas, percebemos aquilo que também nos desagrada, e considero um enorme desafio decidir estar ao lado de alguém; costumo dizer que nos relacionamos em longo prazo não pelas qualidades, mas sim apesar dos defeitos.
Percebi muitas coisas em minha experiência essa semana. Fiquei surpresa ao ouvir dos homens que eles se surpreendiam ao ver-me engatando uma conversa, muitas vezes pensando sobre o próprio aplicativo. Tive ótimas conversas. Tive um encontro.
O que achei curioso, no final das contas, é que as garotas me diziam que os homens estavam lá somente atrás de sexo, como se fossem pouco protagonistas das próprias escolhas. Ouvi no discurso dos homens também termos pejorativos como “tinderete”, como se uma mulher que estivesse no aplicativo fosse menos de carne e osso, ou moralmente condenável. Mas também me deparei com pessoas que pareciam tranquilas com o fato de que é apenas uma nova ferramenta para conhecer pessoas, e que é natural vê-las e conversar – o que pode evoluir ou não. Afinal, pessoas são chatas e legais, às vezes ao mesmo tempo; são falíveis. Podem querer
somente sexo, ou conhecer o amor de suas vidas. E se for somente sexo, que ambas possam aproveitar o momento para conectarem-se de um modo não virtual, e que estejam dispostas a arcar com a responsabilidade de si; que seja bom!
E, por fim, que não nos soe como culpa o desejo de querer mais do outro, de almejar estar junto, ou de se envolver. Percebi que às vezes isso também era visto de um modo estático, como se o fato de se dispor a conhecer alguém pela ferramenta devesse arrastar com ele o desejo de senso de continuidade, como se o amanhã fosse algo a não pensar – mesmo sabendo que ele existe. E que pode trazer com ele o desejo de querer mais do outro; natural, não condenável. Finalizo somente pensando o que Exupéry diria, mais de 50 anos após publicar “O Pequeno Príncipe”, sobre nossa eterna responsabilidade sobre aquilo que cativamos. Ela ainda existe?
*Sabrina Lima é estudante de psicologia pela PUC-SP, é colunista da Rede Psicoterapias, onde escreve às quartas-feiras sobre cotidiano e contextos de crise em clínica ampliada. Além da Psicologia, é amante de música e das palavras, e atualmente se dedica ao estudo da escrita e suas formas de expressão como recurso terapêutico.
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