Santa Psicologia, Batman!
- redepsicoterapias
- 22 de ago. de 2014
- 4 min de leitura
Dia 27 de agosto comemora-se o Dia do Psicólogo.
Se procurarmos direitinho, toda categoria tem seu santo padroeiro. Muito provavelmente, vou entristecer algumas pessoas, mas o dos psicólogos não é São Freud. Não porque algo me diga ser mais condizente (e necessário) se fossem Todos os Santos, celebrados, como se sabe, não no dia 27 de agosto, mas em 1o. de novembro.
A santa padroeira de todos os profissionais que trabalham com saúde mental, notadamente psicólogos e psiquiatras, é Santa Dymphna, não muito conhecida por essas plagas, assim como pouco conhecida é a profissão de psicólogo, até hoje considerada como a exercida por médicos de loucos.
Não somos médicos, muito menos lidamos com "loucos" e sim com quem atravessa um período - longo ou curto - de instabilidade psicológica. Assim como existem instabilidades climáticas, econômicas, conjugais e outras tantas, o que não significa necessariamente que o clima, a economia, ou o casal "enlouqueceu". "Loucura, loucura, loucura!" pode ser usado pelo Luciano Huck.
Poder-se-ia usar "Incrível! Incrível! Incrível!", até porque certas coisas classificadas por ele como loucura exigem concentração, disciplina e controle extremos. Só pedindo a intercessão de Santa Dymphna mesmo - ou dos Conselhos Federal ou Regional de Psicologia - para não se usar tão levianamente a palavra "loucura".
Mais conhecida na Europa, Santa Dymphna, viveu no século XIV, era filha de um chefe celta pagão, tendo ela convertido-se ao cristianismo. O pai era o celta chupando manga e, após a morte da esposa, resolveu engraçar-se (não tem graça nenhuma!) para cima da filha. Um pedófilo entre quatro paredes, que tentou e tentou violentar a filha.
Santa Dymphna fugiu com um padre amigo da família e confessor da garota, também canonizado, São Gereburnus, e dois ajudantes, pois era terreno inóspito ao qual uma filha de chefe e um religioso não eram muito familiarizados e afeitos. Algumas pessoas consideram os psicólogos uma espécie de confessores, o que em parte se é, pois o que a nós é confiado conosco fica e, tal qual mártires cristãos, melhor a morte do que trair a confiança.
Outra diferença é que não julgamos. Consequentemente, não trabalhamos com as noções de pecado, não absolvemos (perdoar-se e seguir adiante é função de quem busca a terapia) e nem terminamos nossas sessões solicitando ao paciente rezar o Ato de Contrição. Ah... também não temos por hábito fugir com pacientes.
Santa Dymphna e seus amigos foram parar na Bélgica, onde a moça trocou a vida de filha de chefe pela vida de eremita. (Pensando no que lhe custaria permanecer junto ao pai, eis aí uma prova de que não era nada "louca"). Não adiantou muito: o pai a perseguiu, matou seus companheiros e, ante sua recusa em voltar e submeter-se aos caprichos dele, a torturou até a morte também, o que veio a acontecer quando ela contava apenas 18 anos.
No local exato onde os restos mortais dos quatro foram localizados foi construído um abrigo para os ditos "mentalmente doentes" (há controvérsias, hoje, quanto a certas patologias assim poderem ser descritas), em Gheel, próximo a Amsterdã. Mas a tradição católica a tem como a protetora dos mentalmente insanos, dos epilépticos, dos que padecem de colapsos nervosos e até mesmo de stress, sonambulismo e insônia.
Mas, se comemora-se Todos os Santos em 1o. de novembro, véspera do Dia de Finados, Santa Dymphna é celebrada dia 15 de maio e não em 27 de agosto. Ferrou! Rodamos, rodamos e, para alegria de muitos, ficamos sem santo! Ou venerando Freud, Lacan, Rogers, Skinner e outros tantos!
Bom, tinha que sobrar pra alguém, não?
E há sempre o chamado Santo do Dia. No caso do dia 27 de agosto, alguém calmamente assentado numa cadeira, ouvindo alguém falar num divã, ou aplicando testes, valendo-se da ludoterapia e afins?
Hehehehehehe... faz-me rir: a santa do dia é Santa Mônica, mais do que nome de bairro e hospital.
Santa Mônica nasceu em 331, em Tagaste, no que conhecemos hoje com Argélia, no seio de uma família cristã. Mas, como "o coração tem razões que a própria razão desconhece". E, como não só os poetas e compositores, mas nós, psicólogos, também sabemos disso, apaixonou-se por um pagão que também, pelo que indicam os relatos, também chupava manga: maltratou-a "de com força".
Tiveram três filhos (não colocarei "Entre Tapas e Beijos", pois nós, psicólogos, não somos adeptos de "tratamentos de choque"), um dos quais bem conhecido de católicos e não-católicos: Santo Agostinho, Doutor da Igreja, após uma vida na "esbórnia" (não, não é uma localidade europeia e sim entregar-se aos mais variados "pecados", ao que há de mais desregrado em termos de vida).
À custa de muita oração e persistência (o que é uma terapia, senão o persistir, por vezes banhada em lágrimas, tal qual Santa Mônica?), conseguiu a conversão do filho. No caso da terapia, antes de não desistir do outro, há que não desistir de si, pois ninguém falou que viver é fácil, mas vale tremendamente a pena!
A paciente Santa Mônica hoje seria odiada pelas feministas. Ensinava ela, nos idos do século IV: "Quando meu marido está de mal humor, eu me esforço para estar de bom humor. Quando ele grita, eu me calo. E como para brigar precisam de dois e eu não aceito briga, nós não brigamos".
Convenhamos: quer um ensinamento mais válido para o exercício da profissão de psicólogo do que esse? Não, cassete, não é arranjar um marido; é saber que o paciente nem sempre está em seus melhores dias, é não medir forças; é acolher a dor alheia, que, por vezes, expressa-se através da revolta; é saber que um consultório é um lugar para se permitir que o outro se fortaleça e não para medir forças e mostrar o quanto ele é fraco e fazer com que saia de lá derrotado e pior do que entrou.
O papa Alexandre III instituiu o culto a Santa Mônica, como padroeira das mães cristãs. O que me lembra: vocês gostariam de saber a teoria freudiana sobre "a culpa é da mãe"? Hehehehehehe. Brincadeirinha!
Como psicólogos, nem sempre estamos em oração. Mas estamos com um ou outro livro nas mãos, aprendendo, perseverando, sem desistir de quem nos procura, sem recorrer aos chavões do tipo "Fulano é um caso perdido".
O dia em que fizermos isso, ficaremos em casa. Chupando manga.
* Augusto Carlos Duarte é psicólogo clínico, tendo como referencial a Psicanálise. Presta atendimento individual a crianças, jovens, adultos e idosos, bem como terapias de casal, ou em grupo. Possui graduação também em Comunicação Social (Jornalismo). É colunista da Rede Psicoterapias, onde escreve às sextas sobre Psicologia e Cultura. E-mail: augduarte2@gmail.com
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