Psicologia nas ruas
- redepsicoterapias
- 6 de fev. de 2015
- 2 min de leitura
Andar pela cidade, reparar suas esquinas, parar no meio de um passeio torto, continuar por entre sons, passantes, carros, cores, cheiros, sabores. Perceber a rua e seus movimentos. Devagar, divagar... Ver aqueles que também caminham lento. Permitir perder-se e perder as referências tradicionais com que a avistamos.
A cidade sentida pela cadência de nossos passos ensina a conhecermos, conhecer o outro, notar delicadezas. O que não se vê a partir da velocidade do automóvel? A nós mesmos refletidos no encontro com o surpreendente desconhecido.
O andar lento permite notar nossa acostumada forma de estar só. Na cidade grande, habituados a fechar o vidro, a naturalizar a convivência entre os iguais em classe e aparência. A temer o desconhecido e repugnar encontros imprevistos que poderiam emocionar.
Desprotegidos em meio urbano, procuramos a todo momento algo que nos preocupe, que nos ocupe, que adie uma reflexão profunda sobre o sentido de estarmos, aqui e agora. Querendo confirmar uma frágil certeza sobre quem somos, deixamos de perceber que somos vários, e mais podemos ser, quanto mais profundos forem nossos encontros.
...
Caminhar em tons lentos pela cidade me propiciou um resgate necessário àquilo que, ao longo dos anos, vinha perdendo na psicologia: a capacidade de me emocionar. Psicologia das paredes frias, que só ao escapar das salas ensimesmadas e ganhar as palavras, o choro e o canto das ruas me permitiu também cantar e chorar.
Sentir a partir de outros lugares, reparar sentidos outros. Notar o sofrimento, ou um sorriso por um inusitado gesto de amor. Ater-se às questões políticas de sua época, que se manifestam na materialidade do espaço. Notar que as subjetividades também se formam em um lugar, feito de tempo e de história.
Ao longo das colunas, pretendo percorrer a relação entre as cidades e as experiências subjetivas que hoje nelas se alcançam. Os temas discutidos e frequentemente retomados serão os lugares e as memórias, os espaços construídos e as cercas que os recortam, o medo, a liberdade, a arte.
A tentativa é persistir no exercício possível de uma forma de olhar que se atente às sutilezas, e assim enriquece a cidade com versos sensíveis. E que talvez afetem a um passante.
Ananda Martins Carvalho
04.02.15
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