O Homem Moderno
- redepsicoterapias
- 15 de fev. de 2015
- 4 min de leitura
“É preciso ser duro, sem jamais perder a ternura”
- Che Guevara
Este final de semana tive o prazer de assistir a um filme chamado “A Cor do Tempo” ou como também é conhecido, “TAR”. O filme é a soma de 11 curtas-metragens dirigidos por diferentes estudantes da Universidade de Nova York em 2012. Apesar de filmados separadamente, os curtas, quando reunidos, não deixam a desejar na sensação cronológica.
O filme conta a bibliografia do poeta americano C. K. Willians (James Franco), ganhador de diversos prêmios, entre eles o Pulitzer de Poesia, no ano de 2000. Eu particularmente nunca havia ouvido falar deste senhor, até assistir ao filme. Willians é um sensível poeta que faz constantes reflexões sobre a vida e sobre o amor, através de diferentes contatos com o feminino, desde sua infância até a velhice. Pesquisando sobre o autor, descobri que ele interpreta a si mesmo nas cenas da terceira idade.
Atormentado por pesadelos desde criança, Willians sempre fora incompreendido pelo pai e pela sociedade em geral, mostrando-se como alguém estranho e solitário. Na verdade, a característica mais relevante que o difere da grande maioria das pessoas, é a sua sensibilidade. O poeta apresenta um olhar sensível em relação a sua vida, e principalmente aos seus amores, buscando constantemente a compreensão das relações humanas pautadas no afeto e carinho.
Na atualidade, vivemos num mundo dominantemente capitalista e patriarcal, no qual características materialistas e tipicamente masculinas são mais acentuadas e exigidas da sociedade. Dentro deste contexto, aspectos do feminino, como a emoção e a sensibilidade, acabam ficando em segundo plano. Desde pequenos aprendemos que “homem de verdade não chora, come todas e ainda cospe no chão!” Essa unilateralidade prejudica nosso desenvolvimento psíquico, que exige a interação e equilíbrio das duas polaridades: feminino (Yin) e masculino (Yang).
É pertinente dizer, que isto de nada tem a ver com a orientação sexual. Para o pai da Psicologia Analítica, Carl Jung, todos nós temos internamente representações do sexo oposto. Na mulher, existe inconscientemente uma figura masculina, que é chamada de ‘animus’, e existe nos homens, uma mulher interna e simbólica, conhecida como ‘anima’.
Para o analista junguiano Glauco Ulson, o homem é composto psiquicamente por aspectos masculinos e femininos, e que para se desenvolver de forma plena, deve integrar seus aspectos essenciais e aparentemente opostos, como seu lado guerreiro e seu lado sensível, através de um processo constante de diferenciação destes aspectos.
Uma das questões essenciais apresentadas na bibliografia de Willians é que grande parte de seu repertório criativo, tem como inspiração sua relação com o feminino em diversos contextos, tanto internos, quanto externos. A partir de sua relação com sua mãe, sua namoradinha de infância, os amores da vida adulta, sua esposa e até uma prostituta, o autor consegue explorar o universo da sensibilidade e do amor.
O psicólogo Robert A. Johnson explicita que considerar a ‘anima’ como alguém, de carne e osso, seria demais prejudicial à psique. Mas uma vez que ela é compreendida de forma simbólica, interna e inerente ao homem, “ela é o âmago da inspiração e a que dá sentido às coisas”.
É raro o homem que sabe bastante sobre seu componente feminino, sua anima, ou que consegue com ela manter um relacionamento satisfatório. No entanto, se ele pretende qualquer desenvolvimento interior, é essencial que descubra sua anima [...] O seguinte, e bem mais importante, é aprender a como relacionar-se com ela, tê-la como a companheira interior que caminhará com ele e lhe trará calor, força e entusiasmo no decurso da vida. (JOHNSON, 1993, pág. 58)
Fica evidente no filme e nos poemas de C. K. Willians, que o poeta consegue dialogar de forma saudável com suas representações femininas internas, diálogo que culmina em criativas e belas poesias. Não à toa, que ‘anima’, em latim, significa alma, ou aquela que anima e que dá movimento ao que é vivo.
A arte e a reflexão são extremamente necessárias para este processo de autoconhecimento e afloramento da natureza feminina, caso contrário, ficaremos cada vez mais duros, frios e insensíveis aos outros e a nós mesmos. Animem-se! Devemos procurar a harmonia no fluxo constante da vida, saber temperar os polos para assim atingirmos um estado mental mais saudável e equilibrado. Existe uma frase budista que exprime muito bem essa ideia: seja flexível, e ande em linha reta.
Finalizo com um trecho do poema Helen, de C. K. Willians, publicado no American Poetry Review:
"Seu silêncio,
como começar a falar sobre?
Eu acho que às vezes eu devo ter simplesmente
ficado embasbacado.
Havia harmonias nela, progressões,
cores, resoluções.
Foi uma sinfonia, um poema de tom.
Eu parecia viver nela.
Estava sempre comigo, uma matriz,
um som de fundo, uma ressaca, um vento.
Além disso, eu tinha encontrado uma menina para estar apaixonado.
Tudo o que queríamos era viver juntos.
Então, nós o fizemos.”
Referências:
JOHNSON, Robert A. HE: A chave do Entendimento da Psicologia Masculina. São Paulo. Mercuryo. 1993
JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Obras Completas. Vol. IX/I. Petrópolis. Ed. Vozes. 2011
BOECHAT, Walter (org.). O masculino em questão. Rio de Janeiro. Vozes, 1997.
Ricardo Assarice dos Santos é psicólogo formado pelo Mackenzie. Escreve em blogs e revistas de psicologia, além de realizar psicoterapia e Reiki na cidade de São Paulo . Quinzenalmente aos domingos, posta na Rede Psicoterapias sobre assuntos ligados à psicologia analítica, arte, mitologia, símbolos e espiritualidade.
contato: psico.atendimento.sp@gmail.com
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