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O Hobbit 3 - A luta de classes e o lugar da loucura

  • Foto do escritor: redepsicoterapias
    redepsicoterapias
  • 24 de fev. de 2015
  • 7 min de leitura

Aviso: contém spoilers

Assistindo ao filme “O Hobbit – A Batalha dos Cinco Exércitos”, surgiram algumas questões sobre a luta de classes. Luta de classes é a ideia de que, devido ao valor que o dinheiro ocupa na nossa sociedade, existe um grupo de pessoas (classe dominante) que literalmente domina o resto das pessoas. A classe dominante mantém o controle, através da economia da sociedade capitalista, limitando a liberdade e as possibilidades da maioria de nós. É um funcionamento característico, que o filme “O Hobbit 3” pode ajudar a entender.

Sendo assim, segue abaixo em tópicos o que cada grupo da história do filme suscitou sobre a questão da dominação, do poder e da injustiça que estão presentes na vida de todo mundo. Como existem diversas formas de entender o socialismo ou comunismo, o texto não seguirá um autor em específico e contará com teorizações que não estão necessariamente em ampla circulação, como a diferença entre o trabalhador da cidade e o trabalhador rural.

Os Orcs - moldados sem humanidade:

  • No filme, os orcs funcionam como a militarização fascista. Isso porque eles são feitos para a guerra, para a aniquilação de qualquer ser vivo que não sejam eles mesmos. Eles são moldados sem humanidade, sem crítica; são fabricados, literalmente, e exclusivamente para a chacina. Eles obedecem ordens, sem nunca questionar, e não fazem reflexão de nada. Não é possível negociar com eles, já que foram programados, como robôs, para executar aquilo para o que foram fabricados. Por isso a militarização fascista ou nazista: nas grandes guerras mundiais, seres humanos mataram milhares de outros seres humanos. A princípio isso não faz sentido, por isso devemos tentar pensar como isso ocorreu; foi um processo, não aconteceu do nada.

Os Anões - trabalhadores explorados:

  • São os trabalhadores mais explorados, os empregados das grandes cidades que sentem, em unidade, a injustiça que sofrem. Digo da cidade grande porque é um lugar no qual a desigualdade espacialmente, visualmente não pode ser ignorada. Carros importados passam ao lado de mendigos. Mansões se colocam ao lado de favelas. E dentro dessa desigualdade, os anões aprenderam a ser bons de luta porque eles precisam lutar; se não lutarem, perdem qualquer possibilidade de sobrevivência. E sabem que para conseguirem algo nas batalhas precisam se unir e criar ferramentas. Eles conseguem se organizar para lutar, mas pode acontecer o que aconteceu na Montanha. Thorin estava liderando – e é difícil pensar no comunismo, numa sociedade igualitária sem injustiças sociais, pensando em um líder. Quando Thorin se deparou com o ouro, com o que encheu seu ego, ele se perdeu. Isso acontece em movimentos sociais que lutam por algo mas que são formados por grupos com alguma característica identificatória muito grande. Eles têm uma imagem, um ideal, mas esse ideal acaba não sendo para o bem público, apenas para bem próprio.

O erro do filme foi que Thorin saiu disso sozinho – de repente, algo de dentro dele, espontâneo, fez com que percebesse que estava deixando sua família e amigos de lado. É um erro pensar que sem a cultura e sem o círculo social é possível fazer uma articulação mágica e sair de um sistema de amalgamento, de indissociação. Thorin até estava pensando no que seus companheiros disseram, talvez ele não tenha saído completamente sozinho daquele estado de transe, mas não dá para ignorar a periculosidade do espontaneísmo. O ser humano não se desenvolve por espontaneidade, pelo simples passar do tempo; ele é atravessado por pessoas, leis, conflitos, contradições para que se transforme. E os anões estavam em uma situação patriarcal, em que apenas um deles mandava e era, literalmente, o rei; se a maioria não se revoltar contra esse papel que foi dado arbitrariamente, não haverá gestão pública do movimento e ele servirá para beneficiar alguns poucos. Justamente por isso o movimento passa a não construir nada, se esse era seu objetivo primário. O máximo que faz é destruir, ou ser motivo para começar uma guerra de cinco exércitos.

Os Elfos - a burguesia:

  • Eles formam um grupo como a burguesia, a elite, as poucas famílias que comandam o dinheiro e a pobreza de um país. Afinal, para alguém ter muito dinheiro é preciso que outros tantos passem fome. Os elfos são organizados, e assim eles não perdem a riqueza que têm. E a riqueza deles pode até parecer que tem um significado, mas não o é necessariamente – eles querem as gemas que produziram, simplesmente porque é deles. Sempre foi e sempre terá que ser. Eles podem inclusive ser dissimulados para conseguir o que querem. O representante dos elfos pode chegar a desdenhar da fala do Gandalf só porque ela traz uma proposta na qual os elfos teriam que abrir mão de parte de seu “dinheiro”, mesmo que isso significasse manter a paz na sociedade. Nesse sentido, eles são de certa forma despidos de valor, ou melhor, eles são deixados a levar pela reificação do dinheiro que dita um só valor: fique rico, cada vez mais, e a qualquer custo. Nisso, se parecem um pouco com os orcs, que são ordenados por um imperativo, e único, e o mesmo sempre. A violência dos dois casos é semelhante.

Os Hobbits - trabalhadores rurais:

  • Eles são camponeses, donos de pequenas propriedades na qual eles mesmos trabalham a terra e tiram dela seu sustento. Pode ser um funcionamento familiar ou com poucos funcionários, mas não são os grandes latifundiários que ganham dinheiro simplesmente por serem donos de algo. Considero essa diferença: se o trabalhador rural deixar de trabalhar a própria terra, ele morre de fome. Se o grande latifundiário deixar de trabalhar a própria terra... Bom, quer dizer, isso nem existe porque ele sequer trabalha na própria terra. Ele ganha dinheiro por ser dono de algo, e não por lavrar a terra. Ele poderia ser dono de qualquer outra coisa, e por vezes é. E dificilmente ele perde o lugar de burguesia, porque ele faz qualquer coisa para manter essa condição – inclusive, dizimar o pequeno produtor, roubando seu espaço. O pequeno produtor, então, se vê sempre ameaçado, injustiçado, percebendo isso em maior ou menor grau. No entanto, ele sabe que está sempre por um fio, que o que ele ganha é evanescente – e, por isso, tudo o que vem da terra tem um valor imenso. Todo o conforto que ele consegue ter é adorado, e é mantido o máximo que puder. E um mínimo de conforto é possível ter ou criar (ou se conformar), porque a questão do espaço é importante; existe espaço para não lidar cotidianamente com o cenário de desigualdade, que é tão explícito na cidade. Ele pode, por vezes, até se afastar da luta militante, e isso pode parecer acomodação, mas pode ser devido ao medo de perder aquilo que é tao custoso conseguir e que ele aprendeu a gostar.

Os homens - a classe média moralista:

  • Os homens do filme são daquela classe média que se difere do proletariado e da burguesia. É uma população moralista, que, como no filme, tenta proteger em primeiro lugar as crianças, mulheres e idosos. Que tem coragem de negociar para evitar conflito e guerra, assim como fez Bard, o arqueiro. Que tem princípios e valores, o que não é necessariamente ruim, mas que são desorganizados e têm um poder muito limitado. Ou melhor, os efeitos de suas ações são minimizados pela dominância da elite burguesa e também pela sua desorganização: eles estão inseridos na luta de classes, na injustiça social, mas percebem pouco e, quando querem fazer algo a respeito, não conseguem se localizar muito bem devido a seu modo de vida, à sua história, suas marcas.

Gandalf e Radagast - Os magos ditos como loucos:

  • Os magos do filme são a população que está sozinha, cujo discurso muitas vezes é ignorado (principalmente pela burguesia, como quando o pai do Legolas desdenhou do Gandalf), justamente pelo fato de essa gente ameaçar o lucro burguês e poder causar uma movimentação na população que mire a justiça, a paz e acabe com os privilégios da elite. Muitas vezes eles abrilhantam os olhos dos não-burgueses e dizem coisas importantes, mas eles são sozinhos e ninguém sozinho caracteriza um movimento social. Eles precisam ser ouvidos para que um movimento seja possível. Eles transitam entre os espaços, assim como faz Gandalf, e isso pode permitir viver organicamente a injustiça que permeia todas as dimensões de uma população. São muitas vezes os loucos (convém à burguesia chamá-los assim como forma de descredibilizá-los) os velhos, as crianças e aqueles que não se enquadram na lógica de produtividade, que podem trazer algo de útil para todos mas muitas vezes são, além de ignorados, rechaçados. As pessoas são capazes de torturá-los, pendurá-los em gaiolas (prisões, manicômios) em masmorra, assim como aconteceu com Gandalf.

Afinal, como o psicólogo lida com a marginalização em nossa sociedade?

Quando um psicólogo que trabalha na área da saúde ou assistência públicas e escuta crianças, marginalizados, usuários de drogas ou pessoas que passaram décadas internadas em manicômios, não tem como não escutar a história de agressões sociais e injustiças que elas passaram. Essas pessoas são rejeitadas pelo resto da sociedade, que tenta a todo custo tirá-las de vista, tirar-lhes espaço. Por isso, na lógica da clínica ampliada – uma política do SUS – e das próprias doutrinas do SUS e da Constituição Federal de 1988, não podemos tornar os serviços de saúde um espaço que trate apenas o sujeito em sua individualidade. Quer dizer, trataremos o sujeito, mas sabendo que a vida dele é perpassada por inúmeras questões das quais ele sozinho não tem alcance. Algumas dessas questões devem ser tratadas na sua raiz, afinal, a injustiça nos adoece. Na desigualdade, muitas pessoas não têm os direitos fundamentais garantidos. Elas sofrem falta de respeito, má alimentação, falta de moradia, más condições de gestação, de relações interpessoais, afeição, trabalho. Portanto, para buscar um tratamento efetivo na saúde/assistência pública, essas questões não podem se perder de vista.

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