Que tal buscar o paraíso das cachoeiras?
- redepsicoterapias
- 27 de fev. de 2015
- 4 min de leitura
Estava num dilema sobre o que escrever nessa segunda coluna a mim conferida. Ideias, assuntos, possibilidades de temas, tudo isso tenho aos montes. Aliás, tenho uma “lista” de assuntos sobre os quais quero escrever e publicar futuramente. Mas nenhum deles me fez estremecer, vibrar, imaginar, pensar ou me colocar frente ao computador para que as ideias viessem e se organizassem para um futuro texto. Creio que estava vivendo meu “dilema existencial” com a escrita, mesmo tendo tantas possibilidades não sabia sobre o que escrever.
Pois bem, nesse meio de tempo, fui para uma sessão psicoterapêutica atender uma paciente. Como disse na coluna anterior, para mim toda sessão terapêutica é uma libertação para o paciente e terapeuta porque nunca saímos os mesmos depois dessa hora partilhada. E dessa sessão uma palavra marcou profundamente a mim e a minha paciente; palavra esta que me deu a vibração necessária para escrever este texto e me fazer refletir um pouco sobre a condição existencial do ser humano. Compartilho com vocês a palavra que permeou minhas ideias, pensamentos, reflexões e direcionamento da semana: movimento.
Quando dizemos que temos que nos movimentar, logo nos propomos a imaginar-nos fazendo algum tipo de movimento físico, seja com os braços, as pernas, dando alguns passos, correndo, dançando, levantando e tudo mais que possamos imaginar e/ou realizar.
Na sessão de terapia que mencionei há pouco, a palavra movimento teve um viés diferente – e foi o que despertou minha atenção, pois minha paciente a usou não com o intuito apenas de movimentar-se de um lugar para outro, mas de fazer um movimento de mudança de percepção, de ação, de estado e de busca ao encontro daquilo que deseja, de sair da estagnação em que se encontrava.
Sartre diz que “cada homem deve inventar seu caminho”, e está certo, pois cada homem é responsável pelas suas escolhas e devem ser seus autor e protagonista. Enfim, inventar caminhos ou fazer escolhas até certo ponto poderia ser fácil, visto que essa é uma condição e uma condenação humana, uma vez que não se pode fugir da obrigatoriedade da escolha. Mas e depois que inventar meus caminhos, como movimentar-me por eles?
Uma das coisas que difere a vida da morte é a possibilidade de movimento; é a capacidade de mudança, de busca, de ação. É quando me vejo no caminho por mim inventado e que posso, a qualquer momento, movimentar-me e sair desse caminho e ir para outro, é fazer a minha escolha.
Algumas pessoas passam a vida toda tão imersas em suas dependências e sofrimentos que se esquecem de movimentar-se e “sacudir a poeira” do corpo em busca de novos desafios, novos caminhos e novas possibilidades. Essas pessoas criam raízes em caminhos arenosos e muitas vezes justificam sua incapacidade de movimento colocando a culpa no outro, na família, no trabalho, em Deus, em tudo, menos assumindo sua condição de protagonista de suas escolhas de vida.
Assisti há alguns dias um filme muito conhecido, chamado “Up – altas aventuras”. A estória do filme veio de encontro a essa reflexão de movimento e escolhas. O filme mostra em seus primeiros minutos como foi a vida do protagonista, o senhor Carl Fredericksen, com sua esposa Ellen, tinham o sonho em comum de viver no paraíso das cachoeiras. Vivendo intensamente e em movimento todas as etapas da vida, o casal cresce e evolui juntamente com a cidade. Com o passar dos anos, a casa onde moram, na outrora cidade pequena, se torna diminuta frente à industrialização e construção de prédios. O Senhor Fredericksen, já velho e sozinho depois da morte de sua querida Ellen, passa a ser pressionado pelas grandes indústrias a sair de sua casa. Mas ele continua lá, agarrado a ela, entranhado em suas lembranças, historias e tudo aquilo que lhe fazia lembrar-se dos momentos felizes vividos com sua amada esposa, mas esquecendo-se de viver, de existir, de movimentar-se para a vida, afinal, ele está vivo!
Não é uma situação fácil a do senhor Fredericksen: é recomeçar e reinventar um novo caminho a seguir e movimentar-se por ele, sem a pessoa com a qual caminhou os longos anos de sua vida. Mas em determinado momento ele lembra daquilo que sempre foi seu sonho, seu desejo, seu e de sua esposa, de viver no paraíso das cachoeiras. E, apaixonado que era por balões, cria uma forma de levar sua casa e suas lembranças puxadas por inúmeros balões que cortam os céus rumo ao paraíso das cachoeiras. Ele renova sua força e recria seu caminho.
Outras estórias paralelas acontecem no filme, inclusive com o aparecimento de outras personagens no caminho inventado pelo senhor Fredericksen, mas não vou descrevê-las aqui, porém recomendo a quem não assistiu que assista, pois sua percepção de caminho, movimento e desejo se encherá de forças e vontades renovadas.
O que quero mostrar é que nem sempre o movimentar-se tem a ver com balançar braços e pernas, ou dançar, ou correr... Movimentar vai além dessas concepções primárias. É também instigar minha vontade e meu desejo em prol do meu bem estar e daquilo que me satisfaz.
O único sentido da vida é aquele que escolhemos dar a ela. Inventar o próprio caminho não é difícil, mas encontrar as razões pelas quais devo continuar ou não nele, isso sim é dificultoso. Colocar-me em movimento, me fazer protagonista da própria vida, rir, chorar, pular, correr, sofrer, dançar, pensar, agir, refletir, isso sim é viver, isso é existir, isso é dar movimento à vida, isso é dar movimento à roda que move meus desejos e vontades, é o que me torna vivo. É inventar e movimentar-me pelo meu próprio caminho; é comprometer-me com o movimento da vida! É buscar o paraíso das cachoeiras!
Heder Naves
Psicólogo, natural e residente na cidade de Três Pontas, sul de Minas.
Pós-graduado em MBA em Recursos Humanos e Doutorando em Psicologia Social.
Atende jovens e adultos à luz da psicologia fenomenológico-existencial.
Atua também como professor de cursos de formação, ministra palestras e é um amante da Educação e da Psicologia.
Contatos: hedernaves@uol.com.br
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