O que é acompanhamento terapêutico?
- Inayá Ananias Weijenborg
- 7 de mar. de 2015
- 5 min de leitura

A clínica que vai pra rua
O acompanhamento terapêutico é um trabalho exercido por muitos psicólogos e que ainda é pouco falado, inclusive nas universidades. No Brasil, começou-se a falar em acompanhamento terapêutico (AT) no início dos anos 90, sendo que no começo tinha outros nomes como “amigo qualificado”. O trabalho como AT não é regulamentado no Brasil como é, por exemplo, na Argentina, Espanha e Uruguai, onde há requisitos para se formar como AT e cursos específicos para realizar. Há várias propostas de AT, sendo que aqui partirá da perspectiva da psicanálise e princípios do SUS e como se dá essa discussão hoje no território nacional.
Como se forma um acompanhante terapêutico (AT)?
No Brasil não existe um curso específico reconhecido pelo Estado que te dê o título de AT, e isso não é, de partida, ruim. Afinal, um diploma não diz muita coisa. O que se tem feito é participar de cursos de formação oferecidos por instituições e associações particulares que se propõem a discutir como se forma um AT, o que ele faz, quais os princípios e objetivos. Além disso, é essencial que se pratique o acompanhamento com algum paciente e se faça supervisão com um profissional da área. O estudo e a supervisão farão com que a prática faça sentido e seja orientada.
É comum hoje que psicólogos trabalhem com acompanhamento terapêutico, mas para ser AT não é necessário ser psicólogo e, inclusive, nem ter um curso de faculdade concluído. Vai depender da proposta de cada curso de formação qual vai ser o público-alvo. No entanto, a discussão sobre os critérios e normas está acontecendo no mundo e tenta ver quais as vantagens de se normatizar e regularizar o AT como profissão e quais as desvantagens.
O que faz um AT?
O AT é um trabalho clínico que acompanha pacientes em espaços públicos e privados, tendo a possibilidade de nesse trânsito conseguir que, nas atividades cotidianas e relacionamento com a sociedade, o paciente tenha maior autonomia sobre sua própria vida. O AT pode ficar apenas na casa do paciente, ou na escola, ou no trabalho, sem nunca sair para outros espaços, se assim for considerado o melhor a se fazer. No entanto, as saídas para a rua continuam uma possibilidade, já que são um dos meios de fazer com que o paciente faça laço social.
Laço social pode ser entendido como uma espécie de comprometimento que o sujeito tem com a sociedade, de forma que ele crie um lugar para ele mesmo e tenha aspirações, objetivos, uma ocupação e condições de realizar algo na vida. O AT é muito utilizado hoje no campo da saúde, como nos Centros de Atenção Psicossocial e Residências Terapêuticas, que são espaços nos quais pessoas procuram (ou são encaminhadas) para tratar sofrimentos psíquicos e sintomas, em sua maioria, psicóticos.
Dentre essas pessoas, muitas passaram anos aprisionadas em manicômios, ou foram abandonadas, moraram na rua e tiveram uma história de marginalização, ou seja, estavam à margem da sociedade, estavam no limite entre o que é considerado parte da civilização e o que é considerado fora. Dessa forma, elas sofreram muito preconceito e negligência por parte de todos, perdendo sua voz no mundo. Quem perde a voz acaba perdendo sua autonomia, sendo que suas possibilidades de existência são reduzidas a quase nada. Percorrendo espaços da cidade, existe a chance de fazer com que essa autonomia seja (re)construída e que seja construído um sistema que tente garantir que o paciente seja um sujeito, um alguém, uma pessoa atuante no mundo. Para isso, é preciso criar uma cidadania para esse paciente, o que não é feito de dentro para fora: não é ele, sozinho, numa introspecção, que vai construir seu lugar na sociedade. É na sociedade, com a mediação de profissionais, que vai ser criado seu lugar – porque é assim que é possível tentar assegurar que esse lugar não desapareça.
Esse sistema criado na rua, no ambiente familiar é chamado pelos AT´s de “fazer rede”. Todos esses objetivos poderiam ser alcançados fazendo rede.
O que é fazer rede e qual a importância disso?
Fazer rede é criar articulações entre diversos personagens daquele território/bairro/cidade, tanto quantos necessários, a fim de que esses personagens virem sua atenção àquele paciente e tenham alguma ligação com ele. Esses personagens podem ser: a família do paciente, os funcionários do trabalho (quando houver), as oficinas de geração de renda, os estabelecimentos públicos de saúde ou assistência como Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e outras Drogas e Centros de Convivência, Projeto de Volta para Casa, Centro de Referência em Assistência Social, Unidade Básica de Saúde, agentes comunitários, líderes religiosos, frequentadores ou donos de comércios locais, pessoas com familiares em algum processo de reabilitação que queiram ajudar, professores, espaços acadêmicos como grupos de estudos, práticas de Estratégia de Saúde da Família e todos os outros aparatos tanto de políticas públicas como de pessoas e espaços daquela localidade. Como isso vai se articular vai depender do AT e da relação estabelecida com o paciente. O efeito disso pode ser comparado à costura.
Quando costuramos, precisamos furar a agulha em um ponto, passar por ele, planejar qual o próximo ponto vamos furar, atravessá-lo, pensar de novo que caminho seguir com aquela linha e espetá-la de novo. Por vezes o que temos que furar é o paciente, por vezes é algum espaço ou pessoa que faça sentido no tratamento dele. O resultado disso tudo é um rastro, um desenho de linha, uma amarração que foi feita em conjunto envolvendo várias entidades. Depois, damos um nó e esperamos que ele dure. Se não durar, podemos voltar e tentar costurar de novo, sempre tentando fazer com que aquela amarração permita que o paciente seja sujeito e se sinta íntegro e autônomo o suficiente para viver cada dia. Esse é o trabalho da clínica, e é por isso que o acompanhamento terapêutico não deixa de ser um trabalho clínico.
Que outras questões envolvem o trabalho do AT?
Para entender o acompanhamento terapêutico, é essencial analisar a história da luta antimanicomial e saber que o AT é também um trabalho político. A luta antimanicomial é um movimento que surgiu no Brasil há uns 30 anos que propõe que as pessoas em estado de sofrimento psíquico não sejam internadas em manicômios, ficando trancafiadas, muitas vezes sem a possibilidade de sair de lá, afastadas do convívio social. Em vez disso, é muito mais útil e humano tratar o sofrimento (que é causado em sociedade) na própria sociedade. Por isso que temos os Centros de Atenção Psicossocial, Residências Terapêuticas e demais estabelecimentos de saúde. Todos juntos formam uma rede de saúde que deve ser capaz de atender o ser humano por completo, responsabilizando-se por ele e tratando-o com dignidade e respeito. Do contrário, preso em um manicômio, é difícil que o paciente retome o contato com a sociedade e nela se restabeleça. Para haver vida, é indispensável o convívio social. Só existe vida porque existe cultura, mesmo que soframos justamente por causa do convívio com outras pessoas. É uma vida por vezes dolorida, mas é a única possível.

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