O trabalho que não fazemos
- Rodrigo Padrini
- 16 de mar. de 2015
- 4 min de leitura

“Se o trabalho está doente, não basta curar o sujeito, mas intervir no modo como aquele é organizado socialmente e como a atividade é levada a cabo” (BENDASSOLLI, 2011).
Não, o título não fala do trabalho que deixamos de fazer, da procrastinação ou da enrolação para entregarmos tarefas que não terminamos. Talvez isso seja assunto para outro dia. Por enquanto, vamos além.
Há alguns meses, passei por uma experiência interessante. Sabe quando só percebemos a importância de alguma coisa muito tempo depois de a termos conhecido? Calma, sem romance. Não estou falando de uma pessoa, mas sim de um conceito.
Me lembro que, durante a universidade, ao estudar autores da Psicologia do Trabalho, li textos de um cara francês chamado Yves Clot. Ele era autor de um livro com uma capa fenomenal, toda branca, com uma formiga carregando uma folhinha, chamado “A função psicológica do trabalho” (Editora Vozes, 2006). Naquele momento, optei por me interessar mais por Christophe Dejours, outro francês, autor de um livro igualmente legal, chamado “A loucura do trabalho” (Cortez Editora, 1992), e não dei a devida importância ao primeiro.
Bom, acontece que aquele primeiro francês tinha uma ideia que, mais tarde, se tornaria indispensável para mim: o trabalho que não fazemos, ou melhor, a atividade impedida.
Quando começamos a nos sentir distantes de nossa atividade? Quando não mais nos identificamos com ela ou sabemos definir se está sendo bem feita ou não?
Bom, no meu caso, me lembro de algumas vezes me sentir feliz ao perceber que estou entregando um bom trabalho. Quando isso acontece, percebo que estou utilizando minhas capacidades, direcionando minha energia e inteligência para algo útil, que considero de boa qualidade e que, satisfatoriamente, vejo reconhecido por meus colegas. Consigo me enxergar na minha criação e me sentir orgulhoso.
Além disso, consigo discutir a sua qualidade, pensar sobre uma melhor forma de executá-lo e reinventá-lo. Entretanto, como disse, isso ocorre com alguma frequência e não sempre.
Dificilmente, nos dias de hoje, os sentimentos de orgulho e identificação com o próprio trabalho se mostram como uma regra. Na verdade, mostram-se como uma alarmante exceção.
Para Yves Clot (2006) - o francês lá em cima -, psicólogo e principal representante da Clínica da Atividade, ao trabalharmos, trabalhamos para nós mesmos, para o objeto que direcionamos nossa atividade e para os outros (Bendassolli, 2011), afinal, nos desenvolvemos psicologicamente por meio do trabalho.
No entanto, no entendimento de Clot (2006), atividade não é apenas o que é feito, mas também o que ainda não foi feito. Para o autor, “o sonho é parte da atividade. Inclui o que eu fiz e o que eu não fiz” (CLOT, p. 105, 2006) e, o que nos faz sofrer e nos adoece no trabalho, é a atividade impedida, ou seja, o fato do sujeito desejar trabalhar mas não poder.
Mas não se engane. ‘Não poder’ não é estar desempregado. É algo mais. O que podemos chamar de trabalho bloqueado, impossibilita um livre conflito do indivíduo e do seu coletivo com o objeto do seu trabalho, com os riscos, desafios e demandas. Quando isso ocorre, o sujeito é desprovido do objeto em que investir sua energia vital, se esvaziando, sendo privado do seu poder de agir.
Para Bendassolli (2011), a atividade torna-se impedida por algumas razões. Em primeiro lugar, há uma perda de significado, geralmente motivada pela impossibilidade de discutir os critérios de qualidade do trabalho. Isso ocorre quando apenas realizamos atividades prescritas pela organização, sem discussão, por obrigação, tornando-as assim atividades vazias. Não nos reconhecemos nelas.
Em segundo lugar, quando a organização não oferece recursos para realizarmos a atividade conforme nosso desejo ou, pior, atrapalha a realização da atividade. Isso ocorre quando, por exemplo, a empresa estabelece critérios inconciliáveis de desempenho com a nossa expectativa ou ainda quando desfragmenta os coletivos, isolando e impedindo o diálogo entre profissionais do mesmo gênero.
Retomando minha percepção tardia sobre a importância do que diz Yves Clot, não consigo mais enxergar qualquer realidade de trabalho sem me questionar as infinitas possibilidades e impossibilidades contidas em qualquer atividade. Outro dia, minha médica ilustrou brilhantemente o caminho percorrido entre uma ideia ainda no campo do sonho e do desejo até que chegue a se tornar realidade.
Ao buscar um punhado de areia do fundo do mar, tente trazê-lo até a superfície e perceberá que muitos grãos escaparão de sua mão. E, por mais cuidadoso que seja, quando aquele punho cerrado alcançar o ar e vencer o limite das águas, restará apenas uma parte da areia que inicialmente estava guardada em sua mão e muito se terá perdido.
É mais ou menos como enxergo nosso trabalho, um constante confronto com a realidade, cheio de sonhos, frustrações e discrepâncias, entre o que um dia se imaginou e o que efetivamente se tornou realidade.
Referências:
BENDASSOLLI, Pedro F. Mal-estar no trabalho: do sofrimento ao poder de agir in Revista Mal-estar e Subjetividade - Fortaleza – Vol. X – No 1 – p.63 - 98 - mar/2011.
LIMA, Maria Elizabeth Antunes. Contribuições da Clínica da Atividade para o campo da segurança no trabalho in Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 32 (115): 99-107, 2007.
Entrevista: Yves Clot in Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, vol. 9, n. 2, pp. 99-107, 2006.

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