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Existe um limite entre liberdade de expressão e discurso de ódio. Por quê? Para quê? Para quem?

  • Inayá Weijenborg
  • 21 de mar. de 2015
  • 5 min de leitura

Sobre os debates entre os presidenciáveis em 2014 e as manifestações recentes sobre o Governo

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No final do ano passado, foram televisionados debates entre os candidatos à presidência da República, que faziam perguntas entre si e defendiam suas propostas de governança. Em um desses debates aconteceu de um dos, na época, candidatos, Levy Fidelix, fazer declarações julgáveis depois que a outra candidata, Luciana Genro, perguntou a ele sobre o porquê de não reconhecer como família casais do mesmo sexo. A mídia anunciou hoje (16/03/15) que Levy Fidelix foi condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a pagar uma multa por danos morais devido a essas declarações. No entanto, ainda há pessoas que defendem o que Fidelix disse.


Vamos recapitular.


Em três minutos, muita coisa foi dita na pergunta, réplica e tréplica nesse debate. O vídeo pode ser acessado facilmente na internet. Em três minutos, ouvimos coisas como: “Dois iguais não fazem filho”, “Aparelho excretor não reproduz”. Não é preciso ter filho para ser família, ou ter filho biológico para ser família. Fidelix excluiu totalmente a adoção e a opção de não ter filhos (biológicos ou adotivos). Pensando nas religiões, nas leis e no senso-comum, é bem possível dizer que um casal (talvez, casado) seja uma família, ou que, pelo menos, um casal que adotou criança(s) seja família. Uma pessoa solteira ou viúva também pode adotar filhos e constituir família, o que é tão possível quanto louvável. Muitas crianças são abandonadas, e muitas são vítimas das mais diversas violências. Se for uma pergunta, tem que mudar a pontuação Se no meio disso existem pessoas que queiram adotar, é só fazer uma conta de adição: pessoa que quer adotar + criança que quer ser adotada = Original: adição resultado bom para todos.


“Um pai, um avô, que tenha vergonha na cara, que instrua seu filho, que instrua seu neto”. “Eu vi o papa expurgar – fez muito bem –, do Vaticano, um pedófilo”. Agora ele começou a misturar as coisas; a pedofilia surgiu do nada nessa fala, já que qualquer pessoa, heterossexual ou não, pode cometê-la. E o que devemos instruir é o respeito, o convívio civilizado, o diálogo; não ter vergonha na cara é desrespeitar e desvalorizar o ser humano, qualquer que seja.


“Luciana, você já imaginou: o Brasil tem 200 milhões de habitantes; se começar a estimular isso daí, daqui a pouquinho vai reduzir pra 100”. De imediato, isso não seria um problema, até porque não podemos esquecer a adoção. “Vai pra Paulista, anda lá, e vê – é feio o negócio”. Nesse ponto do seu discurso, Fidelix partiu para o jeito mais agressivo de falar: a degradação. É só um xingamento, uma qualificação, nem sequer é um argumento. Para ser um argumento, tem que ser crítico e reflexivo, e não uma simples opinião que é dada sem ter nenhuma utilidade ou diplomacia. “Vamos ter coragem, nós somos maioria; vamos enfrentar essa minoria, não precisa ter medo”. Nesse momento, começou a convocação pública (os debates passaram na TV aberta) a um confronto por motivo de ódio. Ele não estava nem argumentando, apenas degradando uma parcela da sociedade – que faz parte de toda a população para qual ele deveria trabalhar, caso fosse eleito – por causa de um incômodo que ele sente. Esse incômodo não está somente na sua postura, Veja se concorda com essa vírgula aqui. que se torna descontrolada ao longo dos três minutos, mas também na incoerência e agressão de sua fala. E o pior é o final: “E o mais importante é que esses que tenham esses problemas realmente sejam atendidos [por] problemas psicológicos e afetivos – mas bem longe da gente, bem longe mesmo porque aqui não dá”.


Um presidente, junto de todo o poder legislativo, judiciário e executivo, não pode governar só para alguns. Isso acaba acontecendo, e é errado, mas só é possível avaliar depois que aconteceu, e aí cabe a nós tomarmos as devidas providências para que o governo volte a trabalhar para toda a população. O que tem de novo na fala do Levy é que, de partida, Veja se concorda. ele está dizendo que repudia uma parte dos brasileiros. Se começa errado, o desenvolvimento não tem como dar certo. Mais, ainda: Levy Fidelix diz que quem é parte da população LGBT (como Luciana Genro nomeia) tem problemas psicológicos e afetivos. Isso é um julgamento que, por não ter utilidade alguma, é uma forma de depreciamento. Todo mundo, em algum momento, Veja se concorda. tem problemas de ordem psicológica e afetiva, e isso não pode ser motivo de discriminação porque não é exclusividade de nenhuma parcela da sociedade. Nesse momento, voltamos a um pensamento antigo que diz que homossexuais, travestis e qualquer outra identificação e nome que se queira dar a algo que não seja a descrição da heterossexualidade é uma doença, um desvio, um transtorno, algo ruim, algo que deve ser consertado. A única coisa que deve ser consertada é o desrespeito que muitas pessoas causam através de suas atitudes violentas, e isso já é consenso na esfera da saúde e da assistência tempo suficiente para repudiarmos esse tratamento agressivo que Fidelix deu.


Isso quer dizer que todo mundo deve concordar com tudo? Obviamente, não. Todo mundo tem o direito de discordar, o que pode ser extremamente produtivo. Acontece que tem uma diferença entre discordar e fazer um discurso de ódio. Dar a opinião faz parte do que chamamos de liberdade de expressão, e, como é sabido, precisamos e devemos usar nossa voz. Aprisionar a voz de alguém pode causar adoecimento. Só que tem um detalhe: como já disse em supervisão o prof. Dr. André Gellis, não se pode falar o que quiser Quisermos? , de qualquer jeito, a qualquer hora, para qualquer pessoa e em qualquer lugar. Então, quer dizer que a liberdade de expressão não permite que eu diga qualquer coisa só porque eu quero? Exatamente. E que o discurso de ódio não pode acontecer? Sim, por isso mesmo que ele é contra os direitos fundamentais – que são fundamentais – definidos em lei.


Por quê? Porque sem lei, não existe sociedade.


Para quê? Para que seja possível viver.


Para quem? Para todos.


Freud já deixou claro em sua obra que ninguém na face da Terra pode ter tudo que deseja, e isso é tão bom quanto ruim. É ruim porque sofremos por isso. É bom porque, numa perspectiva política e moral, é isso que possibilita que vivamos. Estudando psicologia, e mais, tendo o Código de Ética do Psicólogo como referência, percebemos que os conflitos são constantes mas que existe sempre a possibilidade de mediar esses conflitos respeitando todas as partes. Os psicólogos não vão eliminar o sofrimento do mundo, mas vão fazer com que as pessoas sejam capazes de lidar com suas questões de um jeito que o mundo não acabe.


Se as pessoas fizessem tudo a bel-prazer, esgotariam a vida delas mesmas. Todos se matariam, teriam que viver por si, seria mais difícil arranjar comida e afeto, e, quando fossem arranjados, poderiam ser perdidos da noite para o dia. As guerras dizimariam pessoas, comida, animais, vegetação, água. Nossa sociedade já ficou por um fio muitas vezes – e talvez esteja de novo. Só que não podemos cometer os mesmos erros dos mesmos jeitos. Não podemos causar mais genocídio com a militarização da ditadura. Não podemos achar que os partidos vigentes são sumariamente diferentes, e que trocando algumas peças de lugar o jogo vai mudar. Não podemos propor uma democracia representativa com um golpe político. Não podemos achar que a democracia representativa basta. Não podemos deixar passar em vão o tratamento degradante e de tortura e o ferimento à dignidade humana. Para isso, é necessário enxergar as incongruências dos discursos e desconfiar: se toda a população quer a mesma coisa – uma vida digna, boas condições de moradia, alimentação, trabalho, relacionamento –, por que o confronto? O inimigo é a pessoa que está com a camiseta de cor diferente ou é quem está nos manobrando por causa de interesses próprios – incluindo os nossos? Por que não buscar um governo para todos, em vez de só para alguns?


Inayá Weijenborg

SP, 16 de março de 2015

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