Bater é disciplinar?
- Juliana Bruckner
- 24 de mar. de 2015
- 4 min de leitura

Hoje vou falar de um assunto que já foi abordado diversas vezes, por muitos profissionais, mas que sempre volta à tona: o uso de punições físicas na educação dos filhos. A última conversa informal que tive sobre o assunto foi com um senhor, em uma viagem. Ele afirmava que, embora não batesse nos seus filhos, achava que a Lei da Palmada, aprovada há pouco, era um erro, pois impedia os pais de disciplinarem as crianças. Naquele dia, lhe disse existem inúmeras pesquisas, feitas em vários países, que mostram que bater se relaciona com uma piora do comportamento da criança, e não o contrário. Isso é um consenso entre os que estudam o assunto, não um “achismo” (para citar alguns: Alvarenga & Piccinini, 2007; Pesce, 2009).
Em todo caso, o que existe é uma ideia arraigada de que bater em uma criança é uma forma de educá-la, discipliná-la e lhe impor limites, mas estas são coisas diferentes entre si. Por um lado, não é preciso bater para impor limites e disciplina e, por outro, não é a agressão que permite a aquisição de tais qualidades. Ter limites tem a ver com ter normas e regras para seguir, com dizer para a criança o que ela deve fazer e o que ela não pode, e até mesmo com a rotina. O importante é que a regra se mantenha constante, que os pais acompanhem de perto se ela é cumprida, que tenham clareza sobre o que permitem ou não – e quando – e que isso se mantenha de forma coerente. Se é preciso fazer o dever depois de chegar da escola, por exemplo, a regra não pode valer só para quando os pais estão com vontade de corrigir as tarefas. Além disso, os pais não podem ceder às vontades da criança quando ela assume algum comportamento que eles considerem inaceitável.
O que acontece com frequência é que alguns pais misturam os seus problemas pessoais ou de relacionamento com a criação dos filhos. É comum ver pessoas que brigam entre si e passam a usar a criança para, de maneira mais ou menos sutil, atingir o outro (o que não ocorre apenas entre pais divorciados). Uma forma de fazer isso é autorizar a criança a fazer algo que o outro acabou de proibir. Com isso, um dos genitores tira a legitimidade da autoridade do outro, sem pensar se isso é bom ou não para o filho. O que a criança aprende com isso? Certamente não aprende que a regra em questão é importante, mas sim que, quando um dos pais não o deixa fazer algo, pode pedir para o outro. As discordâncias quanto às regras podem aparecer porque os pais pensam diferente, sem relação com conflitos entre eles. Nesse e em outros casos, é importante dialogar e chegar a um acordo.
Bater pode ser uma forma mais fácil de controlar uma criança no momento, mas não tem bons resultados a longo prazo. É um comportamento que gera ansiedade, que afasta o filho dos pais e que pode até mesmo desestimular a sua criatividade. É muito provável que ele simplesmente aprenda que deve fazer “o que não pode” quando os pais não estiverem por perto, ou que não deve contar a eles a verdade. Além disso, pode desobedecer só para chamar a atenção. Se, pelo contrário, os pais explicam à criança como esperam que ela se comporte e porquê, ela vai entender. Esse tipo de atitude irá ensiná-la a resolver as coisas por meio do diálogo e estimulará seu desenvolvimento cognitivo e moral. Dá trabalho, é preciso paciência, mas vale a pena: é melhor tanto para a criança quanto para a família.
A pior situação, que infelizmente não é incomum, é quando as regras não são bem definidas e os pais, ainda, utilizam a punição física para controlar os filhos. Nesse caso, a criança fica perdida e se sente desamparada: ela não sabe de onde, porque ou quando vai vir uma agressão. Seus sentimentos em relação aos pais se tornam ambíguos e, quanto maior o nível de agressão, pior. Elas aprendem a resolver as coisas brigando, se tornam agressivas e não adquirem limites ou disciplina, pois o que define o comportamento dos pais é o humor dos mesmos, e não as suas ações.
Por fim, vale a pena destacar que não é necessário que os pais acertem sempre para que o filho cresça saudável e feliz. Se em algum momento um pai perde a paciência, se algum dia ele for bruto ou injusto, se naquela hora não esteve presente... isso não deixará a criança traumatizada para todo o sempre. Ela percebe quando é amada, é capaz de suportar frustrações e mesmo de perdoar os pais quando eles pisam na bola. O importante é criar um ambiente adequado, com limites e afeto, em que as necessidades da criança sejam atendidas e em que ela esteja protegida dos riscos “do mundo lá fora”, de acordo com a sua idade.
Referências:
Lei da Palmada: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13010.htm
Alvarenga, P., & Piccinini C. A. (2009). Práticas educativas maternas e indicadores do desenvolvimento social no terceiro ano de vida. Psicologia Reflexão e Crítica, 22(2).
Pesce, R. (2009). Violência familiar e comportamento agressivo e transgressor na infância: Uma revisão da literatura. Ciência saúde coletiva, 14(2).

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