Sobre inércia e movimento
- Sabrina Lima
- 8 de abr. de 2015
- 4 min de leitura

No primeiro ano de faculdade me enfiaram brutalmente um conceito na cabeça: somos seres biopsicossociais – somando espiritual a isso caso seja aplicável. Isso quer dizer que além da parte psicológica, temos uma rede social e um corpo físico dos quais temos que tomar conta – uma tremenda responsabilidade. Tudo influencia tudo, e em resumo, para estar de bem com a vida é importante que essas instâncias estejam em equilíbrio.
Isso é algo curioso, visto que parece estar dissociado pensar que unicamente a prática de exercício físico pode fazer bem à mente ou cuidar da cabeça pode melhorar a postura corporal, por exemplo. Penso sempre em movimento, psíquico e físico, como algo positivo, que traz o equilíbrio. Como falar é simples e aplicar é mais difícil, nunca consegui praticar nenhum esporte com regularidade, e embora tenha assiduidade nos assuntos da mente, sentia que meu corpo estava sofrendo.
Paralelo a isso eu via um querido amigo meu, amante dos esportes, estagnado com algumas questões em sua vida. Descontente com o trabalho, com a família, com a sociedade, tendo problemas de saúde, entre outros. Meu amigo que sempre defendeu o esporte como sua terapia, estava, a meus olhos, precisando de outro tipo de apoio agora.
Do outro lado da gangorra estava eu, psicóloga formada, já em terapia há anos, uma típica imagem cabeçuda de quem usa demais a cuca e pouco o corpo. Para mim, sentia como se minha cabeça pesasse quilos e meu corpo fosse frágil demais para sustenta-la. Eu, que em tese deveria saber lidar com os problemas das pessoas, estava sem saber como fortalecer esse corpo para “carregar essa cabeça”. Biologicamente, tinha dores corporais intensas e que sarariam somente com fortalecimento muscular, leia-se exercício físico – que dói.
O número de desculpas que arranjava para não me exercitar era proporcional ao número de desculpas que meu amigo tinha para não iniciar a terapia. Eu precisava de roupas adequadas, ele de dinheiro; ambos não tínhamos tempo. Ele tentava me convencer de que minhas justificativas eram pequenas, eu também: nós tentávamos ser a força que ajudaria o outro a se mover, sem perceber como sair do lugar estacionado em que estávamos.
Quero primeiro falar do conceito de inércia, e isso tem a ver com Física (algo que eu, das Ciências Humanas, nunca aprendi muito bem). Simplificando bastante, a Inércia é uma das propriedades da matéria que indicaria certa “preguiça” dos corpos possuidores de matéria: corpos parados tendem a ficarem parados, enquanto os que estão se movimentando permanecem assim, a menos que algum deles sofra ação de força externa – algo como um empurrãozinho. Importante ressaltar que esses corpos também exercem resistência a sair desse estado, ou seja, é sempre mais fácil estar como está.
De certo modo, seria semelhante à realidade: é quase antinatural quebrar nossas resistências e proteções e sair correndo quando se está parado há muito tempo, ou então parar bruscamente. Por que eu quereria passar dor fazendo exercício? Por que meu amigo quereria cutucar as feridas internas falando com um psicólogo? Porém, que esperança teríamos então de resolver nossas questões? Estaríamos fadados a esperar pelo empurrão do outro para nos mexer ou conseguiríamos internamente ser mais que um corpo no espaço e movimentar-se por conta própria?
Essa pergunta remeteu-me ao filme “Forrest Gump” (sinopses serão facilmente encontradas na internet), um filme que tenho a impressão de que se movimenta muito diante dos olhos. Talvez seja porque o protagonista passe algumas cenas correndo, mas penso que é mais profundo que isso. Tenho a impressão de que Forrest se move além da inércia, é brusco consigo mesmo, quase salto da cadeira quando ele começa a correr quando todos esperam o contrário. Forrest me encanta.
Saindo do encanto da ficção, há algumas semanas, fui surpreendida por uma mensagem do meu amigo pedindo uma indicação de psicólogo, com a fala “já deu pra mim”. Fico preocupada, penso que o mundo caiu e rapidamente tento dar um jeito no que posso; ele se põe em movimento. Impossível pra mim não pensar que eu continuava parada. Pensava invariavelmente em Forrest e no que motivou sua corrida, seu sofrimento insuportável. É isso que acaba trazendo as pessoas até nós, psicólogos, quando os modos de lidar com a dor não são mais suficientes, quando “não dá mais pra mim”.
Curiosamente nesse dia eu estava sentindo muita dor nas pernas, meus músculos atrofiados e cansados tinham desculpas concretas para pedir descanso. Mas senti que precisava me mover, tinha sentido o empurrão que precisava para sair da inércia. Era algo que não sabia de onde vinha, como se o movimento de meu amigo movesse o mundo e me empurrasse pra frente também. Esqueci a roupa ideal, o horário em que o sol não bate forte, o tênis correto, saí pra rua. Eu era Forrest correndo pra aliviar uma dor que não tinha e que sabia que só curaria desse modo. Estava inventando um jeito novo de lidar com o sofrimento, estava em movimento.

Comments