top of page

O matriciamento na saúde e a importância de sua ampliação para evitar o institucionalismo

  • Inayá Ananias Weijenborg
  • 17 de abr. de 2015
  • 5 min de leitura

O perigo das instituições recusarem tudo que é de fora e se tornarem ensimesmadas.

16082013095807Nova_Imagem_(4).png

Matriciamento ou apoio matricial é uma ferramenta utilizada primordialmente na área da saúde que tem a forma de consultoria. Quando um serviço de saúde se depara com um entrave no próprio trabalho, encontra um problema que não consegue resolver ou quer uma outra opinião sobre determinada prática, pode recorrer ao matriciamento chamando uma equipe de saúde de outro estabelecimento para consultá-la sobre a questão que apareceu. Por exemplo: uma equipe que trabalha com oficinas de geração de renda que encontra uma dúvida ao lidar com determinado paciente e acaba pedindo matriciamento à equipe do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) que o atendeu antes de direcioná-lo às oficinas. Dependendo da dificuldade que foi encontrada pela equipe de geração de renda, poderão ser abordados temas como o histórico daquele paciente no CAPS, quais práticas que o CAPS realizou que deram certo e quais não deram, se uma determinada atitude do paciente é uma repetição ou se é algo novo e muitas outras questões que emergem de acordo com a situação. Ou seja, é um suporte profissional que os trabalhadores de um sistema de saúde pública dão entre si quando consideram necessário, a fim de ampliar a visão de determinada situação encontrada no trabalho.


O matriciamento é um método sistematizado, que é divulgado como uma das práticas de humanização do SUS e consta em cartilhas disponibilizadas gratuitamente na Internet pelo Ministério da Saúde, que são decorrentes de pesquisas e estudos. Nesse caso, se fala especificamente da área da saúde pública, principalmente do que chamam saúde mental. No entanto, é possível estender o conceito de apoio matricial e entender que é possível realizar algo do tipo em outras áreas de atuação, no setor público ou privado. Para isso, é preciso entender a função do matriciamento. Aqui vai uma proposta de formalização da função do apoio matricial: funcionar como Outro (leia-se: grande outro).

O (grande) Outro, com “o” maiúsculo, é um conceito da psicanálise que não é tão simples de explicar, mas tem a ver com a referência que é encontrada na cultura e com o reconhecimento de que existem coisas que escapam à vista das pessoas individualmente. Quer dizer que uma pessoa que olha para uma situação é capaz de enxergar um leque de coisas, mas ela não é capaz de enxergar todas as coisas possíveis. Outra pessoa pode olhar para a mesma situação e enxergar coisas que a primeira pessoa não enxergou, e que são fundamentais para a atividade proposta. De maneira geral, o (grande) Outro é o reconhecimento de que as pessoas não são completas e precisam de outras pessoas, que vêm de outros lugares da sociedade e têm uma cabeça diferente, para que o exercício daquela profissão não fique viciado e sem referenciais. Por isso que os profissionais de saúde fazem supervisão com professores ou profissionais com determinada experiência para discutir casos, procuram uma equipe multiprofissional solicitando matriciamento, ou buscam fazer análise/psicoterapia – ou, simplesmente, se abrem a ouvir o que vem de fora daquela instituição.


Esse processo torna o serviço e a instituição muito mais saudáveis e capazes de realizar o trabalho proposto. Uma instituição não é só um estabelecimento, um hospital, uma ONG, um prédio; pode ser um grupo de pessoas que carregam uma ideia e se dispõem a fazer certos serviços sem necessariamente ter uma sala de quatro paredes para executar as atividades. Uma instituição tem uma ideologia e um modo de funcionamento para realizar determinada tarefa, mas ela deve ser entendida como uma entidade viva, em movimento, porque a todo instante ela lida com demandas sociais: seja da população em geral, seja de um grupo de clientes bem seleto. Isso porque todo trabalho é realizado na sociedade ou a partir dela, e vida é movimento. Apesar disso, existem instituições que acabam se fechando e recusando tudo o que vem de fora, desde ideias e solicitações até sugestões e trabalhos que têm tudo a ver com os objetivos da instituição e que ela se recusa a enxergar. Como isso acontece?


Um grupo de pessoas que trabalham juntas têm características em comum para isso e acabam criando valores e cultura próprios, surgindo uma identidade para esse grupo ou instituição. O problema é quando essa identidade se cristaliza e as práticas profissionais se tornam tão ensimesmadas que viram um sistema fechado. Possíveis sinônimos para “ensimesmado” nesse contexto são: egocêntrico, onipotente, preso em si mesmo. As instituições acabam ficando presas nelas mesmas sem renovarem-se; tornam-se impermeáveis, impenetráveis, cegas pela identidade criada e louvada que acaba servindo para manter o status conquistado. Essas instituições tornam-se rígidas, com um funcionamento mecânico e premeditado, que serve para controlar tudo o que é externo a elas e evitar que as pessoas de fora, do mundo “real”, entrem fisicamente ou entrem com suas ideias. A isso damos o nome institucionalismo. Institucionalismo é o adoecimento da instituição, através de um poder exacerbado dado a ela criando uma relação unilateral com o resto do mundo. Nessa situação, não existem trocas, discussões. Aliás, é muito mais fácil que aconteçam agressões, ofensas, preconceitos e julgamentos, ao invés de acontecer uma verdadeira escuta. A instituição saudável e bem-resolvida é capaz de ouvir verdadeiramente o que é trazido até ela. Não sente necessidade de se defender do que é de fora, porque é segura quanto aos seus referenciais, que, a cada escuta, renovam-se. Criar uma imagem sólida para a partir dela atuar no mundo não é saudável; o melhor é, diante de todo o caos mundano, reconhecer-se nele e saber que existe uma parte de nós mesmos que nunca vamos conhecer. Para isso, é preciso aceitar esse caos e ouvi-lo. Ouvir o que de nós tem nele – sim, o caos habita o corpo de cada ser humano.


O institucionalismo não é exatamente algo calculado, ele acaba acontecendo. Assim como as pessoas, que por vezes apertam sempre a mesma tecla sem perceber que isso acaba ocupando o espaço da outra pessoa. A questão é que toda essa discussão é teórica, e perpassa o campo de vários profissionais, principalmente os psicólogos. Os psicólogos são treinados para ouvir; eles estudam e trabalham para isso. Como dizem: “errar é humano, mas insistir é burrice”. Portanto, eles devem, no mínimo, desconfiar quando caíram em um sistema fechado e autoritário, e criar vários mecanismos que garantam que chegará até eles o (grande) Outro. Um desses mecanismos é o matriciamento: ele convoca pessoas que estão em segundo plano em determinado projeto terapêutico de um paciente para participar da movimentação que está acontecendo na equipe de referência, que é a que está atualmente tratando esse paciente.


E esse chamamento para que o (grande) Outro faça parte do serviço pode ser estendido: pode ser levado a serviços particulares, autônomos, em escolas, em atendimento na área de assistência, ambiental, nutricional, enfim, a todos os lugares existentes. Pode até mudar de nome; em vez de ser apoio matricial, pode ser supervisão, orientação, publicações, escuta, bom senso. É por isso que tanto os profissionais da saúde quanto a população de maneira geral precisam criar e manter mecanismos de participação, visando a garantir que os serviços (de saúde, de assistência, políticos) não aconteçam de forma tão alienada, e tenham que se haver constantemente com a demanda social e reconhecer que é somente nela que um serviço é possível. Do contrário, não é um serviço, é uma doutrina.

Inayá Weijenborg

SP, 13 de abril de 2015

Bibliografia e leitura recomendada:


CAMPOS, G. W. S., DOMITTI, A. C. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cadernos de Saúde Pública, vol.23, nº 2, Rio de Janeiro, 2007.


CHIAVERINI, Dulce Helena (Org.) et al. Guia prático de matriciamento em saúde mental. Brasília: Ministério da Saúde, 2011.


SOUSA, H. R. Institucionalismo: a perdição das instituições. Temas IMESC, Soc. Dir. Saúde, São Paulo, pp. 13-24, 1984.


Inayá descrição.jpg

 
 
 

Comments


Siga-nos
  • Facebook Classic
  • Twitter Classic
  • Google Classic

Vamos continuar este contato? Assine a nossa newsletter!

Agora você faz parte da nossa Rede!

Consultório sede:

Rua Joviano Naves, 15 - sala 04. | Belo Horizonte /MG

 

Nossos contatos:

(031) 4141-6838

(031) 4141-6839

redepsicoterapias@gmail.com

Nos acompanhe:

  • Wix Facebook page
  • Instagram Social Icon
  • Wix Twitter page
  • Wix Google+ page
  • LinkedIn Social Icon

©Copyright 2011 Rede Psicoterapias. Todos os direitos reservados.

bottom of page