Páscoa, Coelhos e Ovos
- Ricardo Assarice
- 26 de abr. de 2015
- 4 min de leitura

Como eu já falei por aqui, eu sempre gostei de entender o motivo de algumas comemorações e entender o seu significado além das aparências. Desta vez, vou falar um pouco sobre os símbolos usados na páscoa, e tentar explanar um pouquinho o que coelhos, ovos de chocolate e Jesus têm em comum.
Inicialmente precisamos compreender que o cristianismo é um segmento religioso que incorporou diversos ritos, mitos e tradições de diversas outras religiões, ditas pagãs. Os povos do passado, ao menos ao meu ver, era muito mais integrados com a natureza, e suas festividades eram associadas diretamente com os ciclos da natureza. Era de suma importância que as pessoas compreendessem as estações do ano, e se programassem, pois assim poderiam, plantar, colher, se preparar para o inverno entre outras coisas. Atualmente, perdemos um pouco essa noção.
O nome páscoa vem de pessach, que em hebraico significa passagem, também conhecida como “festa de libertação”. A primeira celebração ocorreu aproximadamente 3.500 anos atrás, quando, segundo o Torá, Deus enviou as 10 pragas ao Egito, e antes da última praga foi solicitado ao profeta Moisés que toda família hebreia sacrificasse um cordeiro e molhasse as portas de suas casas de sangue para evitar a morte dos primogênitos. Uma vez que os egípcios não seguiram esse ‘mandamento’, a meia-noite o anjo da morte passou e levou todos os primogênitos, ocasionando na morte, inclusive do filho do Faraó, que com medo da ira divina, libertou o povo de Israel.
Esse simbolismo do sacrifício do cordeiro foi englobado na cultura Cristã, na qual o ‘cordeiro de Deus’, conhecido também como Jesus, é sacrificado pelos pecados da humanidade e toda a história que engloba morte e ressurreição depois de três dias que a maioria de nós conhecemos. Mas aqui no Brasil, e no mundo, encontramos resquícios de culturas ainda mais antigas nas festividades de páscoa.
Algo realmente estruturante, tanto da psique, quanto da cultura de sociedades antigas, era a compreensão dos solstícios e equinócios, que marcam a incidência dos raios solares na Terra e, por conseguinte, definem as estações do ano.
Easter é páscoa em inglês. Mas também é o nome de uma Deusa nórdica, conhecida como Eoster, Ostera, Ostara e variáveis. Essa deusa é associada à fertilidade, a renovação, ressurreição (ressurreição na Páscoa? Já vi isso em algum lugar), pureza, juventude, beleza, além de ser associada à Lebre e aos ovos. No equinócio de primavera, que coincide com o início das plantações, os nórdicos realizavam um ritual que consistia em desenhar runas, palavras mágicas e pedidos em ovos. Depois eles escondiam esses ovos nas plantações e quando o arado os quebrasse, as intenções mentalizadas nas atividades de pintar os ovos se concretizariam.
A lebre, que está intimamente ligada a Ostara, é um animal que some durante o inverno, e, com a chegada da primavera, é um dos primeiros animais a ‘saírem da toca’, provavelmente mais um motivo que reforça a associação deste animal com esta época do ano.
Além disso, a lebre, que é um símbolo da fertilidade em função da facilidade com a qual de reproduz, era utilizada num ritual divinatório, na qual sacerdotisas de Ostara ‘adivinhavam’ o futuro através das entranhas da lebre. Como disse Marcelo Del Debbio: “claro que a versão ‘coelhinho da páscoa, que trazes pra mim?’ é bem mais comercialmente interessante do que ‘lebre de Eostre, o que suas entranhas trazem de sorte para mim?’, que é a versão original desta rima.”
O ovo, por ser um símbolo antiquíssimo da criação e renovação, acabou sendo apropriado pela cultura cristã dos rituais pagãos, e associados a Jesus, que na páscoa, assume o mesmo simbolismo de ressurreição. Nessa mistura de cultos e associações, os pâtissiers franceses (padaria especializada em bolos e doces) recheavam ovos de galinhas esvaziados com chocolate, e os pintavam. Neste contexto, os pais escondiam estes ovos e as crianças os procuravam na época de páscoa, tradição que existe até hoje.
No século XIX, com o desenvolvimento tecnológico e capitalismo, esses ovos foram transformados inteiramente em chocolate e todo o simbolismo foi se perdendo. Assim como o Natal (que ‘coincide’ com o solstício de verão), os significados originais dos cultos de páscoa, que estão ligados à celebração da vida e da natureza, e depois incorporados pela figura de Jesus que também exprime essa noção da eternidade da alma, ressurreição e amor, acabam sendo corrompidos, os ritos se tornam vazios, ausentes de sentidos conscientes e a o consumo acaba por imperar.
E se você acha os ovos de chocolate caros, vale a pena frisar como nota de curiosidade, que nessa época era comum dar ovos de presentes na época da páscoa, o que permitiu o sucesso mundial do joalheiro Peter Carl Fabergé, que produzia os famosos ‘ovos de Fabergé’ (vide imagem), que eram encomendados pelos czares russos para presentear familiares. Um desses ovos foi recentemente vendido pela bagatela de 24 milhões de euros, e é um pouco maior que um kinder ovo. A diferença é que a surpresa interna do ovo são os rubis.

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