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Corpo na linguagem, mal-estar e saúde

  • Inayá Weijenborg
  • 27 de jun. de 2015
  • 4 min de leitura

O corpo do ser humano, na psicanálise, é concebido como um corpo falado. E na fala sempre dizemos muito mais ou muito menos do que pensamos. Ou seja, nosso corpo é muito mais ou muito menos do que pensamos; nossa identidade não se resume a ele, mas tem algo de identidade no corpo. Nós nos reconhecemos pela imagem do nosso corpo, mas parece que se não descrevemos nossa imagem, falta alguma coisa – ou sobra. É como fazer a pergunta batida: “quem é você?” - e, por mais que falemos, nunca conseguimos responder por completo.


Em Ser e Tempo (2012), Heidegger escreve que o humano é aquele que pergunta pelo sentido das coisas, que está constantemente com uma questão. Perguntar-se seria característico do humano – um cachorro não perguntaria pela sua própria existência. Só que esse perguntar-se do humano não o é por causa de uma racionalidade, sendo que a racionalidade foi por muitos anos o critério de diferença entre o homem e os outros animais. Do meu ponto de vista, o perguntar-se seria mais por uma não-racionalidade, seria por causa daquilo que justamente não conseguimos racionalizar e explicar. E para Heidegger o ser humano que pouco se pergunta é menos “ser”, é menos humano; sua existência é considerada inautêntica. A autenticidade do ser humano, ou seja, o que torna o ser humano justamente um ser humano é o movimento que surge a partir de um buraco que teríamos no corpo. Esse buraco assemelha-se muito ao que em psicanálise chamamos “furo”, e, se é útil falar em humano na psicanálise, é nessa dimensão heideggeriana.


Entender o humano como algo furado não é típico da psicologia. Não são todas as correntes filosóficas que entendem que o humano é um ser constituído por uma parte conhecida e por outra desconhecida, sendo que essas partes se atravessam e se determinam num movimento conflituoso e constante. Para entender isso, podemos utilizar um quadrinho que, aparentemente, chama-se Hole in Chest e foi feito por Aaron Diaz em 2007, mas não achei quem o teria traduzido para o português. Segue abaixo:


Buraco no peito..jpg

O quadrinho ilustra muito bem o vazio constituinte do ser humano. Esse vazio se dá por meio de um buraco que não contém nada, e, por mais que o tentemos preencher, isso nunca dá certo e o furo continua lá. E por muitas vezes esse furo é desconfortável, sim. Um desconforto que pode ser vivido como mal-estar, como doença psicossomática (aquela que não se justifica através de exames médicos mas insiste em se manifestar no corpo), como dor, como sintoma, como uma sensação do espectro prazer-desprazer (porque o prazer só existe com seu oposto, o desprazer) ou como outras sensações que, se formos ver bem, são insanas. Alain Didier-Weill é um psicanalista francês e escreve em seu livro chamado A Nota Azul que:


“Esse mal-estar é a própria expressão do fato de que, após ter-se tornado falante,

o homem se viu despojado daquela naturalidade que tanto o fascina no corpo do

animal: será concebível um cavalo, ou um gato, que dê a impressão de estar mal-alojado

em seu corpo, de sentir-se apertado nele, ou, ao contrário, de nele perder-se?”

(DIDIER-WEILL, 1997, p. 20).


É esse o efeito de termos um corpo que é falado. Podemos falar sobre o corpo de um cavalo, mas o cavalo não é atravessado pelas palavras da forma que nosso psiquismo é. Afinal, quando assistimos a filmes como O Menino Selvagem e Kasper Hauser, o mais chamativo não é o quão aquelas pessoas que quase não viveram numa sociedade de homens parecem-se com bichos? Esses dois filmes retratam “meninos-lobo”, pessoas que por algum motivo cresceram com animais selvagens e questionam o limite entre homem e outros animais. Na coluna de hoje, digo: o limite é a linguagem.


Estamos falando de um mal-estar característico do homem e que traz um incômodo que pede solução. Como proceder? Freud (1933) já escreveu que para o mal-estar não há remédio, não há cura. Ele pode melhorar, mas nunca sumirá por completo – e isso nem é tão ruim quanto parece. É o mal-estar que permite que sintamos “bem-estar” e que construamos uma vida, laços sociais, história. Na verdade, não precisamos ser otimistas ou pessimistas e tentar julgar o mal-estar. Ele está aí, e permite umas coisas enquanto impede outras. Como lidaremos com isso é que é importante, e não podemos nos enganar achando que temos que ser felizes o tempo todo porque essa visão trará mais sofrimento que tranquilidade.


A saída possível para esse imbróglio é dar prosseguimento à existência, construindo algo a partir do buraco que constitui o sujeito. Fazer soar o furo é o que existe de mais criativo; a partir do vazio produzimos algo totalmente novo. Construir cultura, laços sociais, vida, trabalho e arte só é possível se admitirmos o que temos de mais incômodo, utilizando nosso sofrimento para algo que seja além de sofrer. Como essa produção e amarração se constituirá vai depender da constituição de cada sujeito, da sua história e daquilo que nem se sabe que tem, e pode admitir as mais variadas formas. O fato é que essa é a autenticidade possível do ser humano e é o caminho para o que chamamos boa saúde.



Inayá Weijenborg

SP, 22 de junho de 2015


Referências


DIDIER-WEIL, A. A nota azul: Freud, Lacan e a arte. Rio de Janeiro: Contracapa, 1997.


FRED, S. O mal estar na civilização (1933 [1932]). In: FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. XXI, Rio de Janeiro: Imago, 1974.


HEIDEGGER, M. Ser e tempo; tradução e organização de Fausto Castilho. Rio de Janeiro: Vozes; Campinas: UNICAMP, 2012. Coleção Multilíngues de Filosofia.


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