Símbolos e a Integração Psíquica
- Ricardo Assarice
- 14 de jul. de 2015
- 4 min de leitura

O homem, em sua busca pelo entendimento da realidade se perdeu, infelizmente, no caminho da racionalidade exacerbada. Partindo para uma experiência de mundo demasiadamente objetiva e mental, procurando responder as perguntas básicas da humanidade e decifrar os mistérios do universo, acabou por se afastar e continuar ignorante de uma metade igualmente importante: seu universo interno.
Este homem moderno, no entanto, experiência essa realidade subjetiva através das manifestações de seu inconsciente, sendo os sonhos, as revelações mais ricas deste mundo interior. Infelizmente, são poucos os que conseguem se lembrar dos sonhos ao acordar, e menos ainda aqueles que dão a atenção para seus símbolos da forma que merecem. Parece irônico que no momento que abrimos os olhos, toda aquela vida onírica é deletada da consciência e não mais nos pertence - agora estamos no mundo real e tais devaneios não cabem a rotina.
O poema do Zen Budista Chuang Tzu ilustra de forma interessante essa dualidade de mundos e realidades. Após sonhar que era uma borboleta, ao acordar o filósofo teve uma crise de identidade, e já não sabia se era uma borboleta sonhando ser homem, ou um homem sonhando ser borboleta. Talvez fosse ambos. A questão é que a compreensão desse universo onírico é de extrema importância, principalmente para os psicanalistas e psicólogos. Quando se fala de psique, a perspectiva taoísta se mostra sensata quando explora a dualidade como uma manifestação de perspectivas de uma unidade, e converge para a postura ideal da psicologia:
“Apesar da divergência funcionar como veículo na vida mental de uma sociedade, não se pode considerá-la um objetivo em si. A concordância é igualmente importante. E pelo fato de a psicologia depender, basicamente, do equilíbrio dos opostos, nenhum julgamento pode ser considerado definitivo sem que se leve em conta a sua reversibilidade. A razão dessa particularidade está no fato de não existir nenhum ponto de vista, acima ou fora da psicologia, que nos permita formar um julgamento definitivo sobre a natureza da psique”. (JUNG, 2008, 71)
Considerando ainda essa perspectiva integrativa da psique, é relevante considerar a importância dos símbolos nessa dinâmica. Como pontes que conectam o consciente e o inconsciente, conseguimos a partir deles transcender e atingir níveis mais profundos e mais esclarecidos, sobre nós e sobre a natureza humana.
Segundo o psiquiatra e analista junguiano Carlos Byington, a palavra símbolo é de origem grega, symballein. ‘Syn’ significa ‘com’ e ‘ballein’ significa ‘lançar junto’ (e esta seria a origem da palavra “balé” – dançar junto). Na Grécia, muitas vezes um herói ia de uma cidade reino para outra e levava mensagens importantes como segredos de estado. Mas para provar que não era um espião e era de fato o mensageiro escolhido para aquela missão, ele recebia um item, como um anel ou um bracelete, que faltava um pedaço. Quando ele chegava na corte da outra cidade, o anfitrião trazia algo para ele e pedia o símbolo. Quando os itens se encaixavam com perfeição, era dada a prova de que o mensageiro merecia confiança.
Cada um de nós, em nossos próprios processos psíquicos, devemos nos atentar aos símbolos que se manifestam em nossa mente, seja em sonhos, ou devaneios. Uma forma de facilitar essa sondagem simbólica e particular é a prática do diário de sonhos. Quando desenvolvemos o hábito de escrever nossos sonhos, naturalmente começamos a lembrar com mais facilidade dos mesmos além de produzir um material riquíssimo de autoconhecimento. Muitos acham difícil acordar e escrever, já que muitas vezes acordam cedo e ainda estão no ‘estado zumbi’. Uma alternativa, portanto, é usar um gravador. Hoje em dia, praticamente todos os celulares (que também funcionam como despertador) têm essa função. Além do poema completo sobre a borboleta citado anteriormente, acredito que é pertinente encerrar citando a célebre frase de Jung: “Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desperta”.
Uma vez eu sonhei que era uma borboleta,
voando entre as flores e arbustos do jardim.
Tudo era tão concreto e real
que em momento nenhum do meu sonho
suspeitei que a borboleta era eu
ou que eu fosse a borboleta.
Para todos os efeitos possíveis e imagináveis,
eu era, eu agia e eu realmente me sentia uma borboleta,
cumprindo o destino de uma borboleta qualquer.
De repente, eu acordei
e lá estava eu, sendo a pessoa que eu sempre fui
– ou que sempre imaginei ser.
Sei muito bem
que entre um homem e uma borboleta
há tantas diferenças fundamentais e insuperáveis
que a transformação de um no outro
é algo simplesmente impossível de acontecer no mundo real.
É por isso que, desde então,
eu nunca mais tive sossego
quanto à minha verdadeira identidade.
Pois não há nada que me permita saber,
com toda certeza e rigor,
sem nenhuma margem de dúvida,
se eu sou verdadeiramente um homem,
que um dia sonhou que era uma borboleta,
ou se eu sou uma borboleta,
sonhando que é um homem.
Referências Bibliográficas
JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
Entrevista com Carlos Byington no programa “Conexão” de Roberto D’Avila (TV Câmara): https://www.youtube.com/watch?v=3S_19wG0zno

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