O que um sapato apertado pode nos ensinar sobre nossas fugas
- redepsicoterapias
- 4 de mai. de 2014
- 3 min de leitura
Pode-se dizer com alto grau de certeza que quase todo mundo já teve aquele sapato apertado. Era aquele mesmo que cada vez que estava no pé amassava, judiava, incomodava, criava bolhas. Um dia inteiro com este sapato e a dor nos pés tornava-se tão intensa que tudo o mais perdia a graça: o dia ensolarado, o passeio com os amigos, a conversa com alguém querido, seu prato preferido no restaurante... Pois quando se está calçando ele, não há nada mais em que se consiga pensar, nada que lhe passe pela cabeça, a não ser: eu preciso tirar esse sapato!
É assim também com todas as situações ruins em nossas vidas. E o que é ruim? Bem, isto depende da pessoa! Para Maristela, uma situação ruim é levantar cedo; para Rui algo insuportável é ir ao supermercado; para Francis algo terrível é comer pizza. O que é ruim varia de pessoa para pessoa e o que pode ser desconfortável para um, não necessariamente é para o outro. Cada um tem suas dezenas de situações, ambientes, eventos, coisas, objetos e pessoas diante dos quais a única coisa que se pensa é: eu preciso escapar disso!
E por que o desejo que temos é fugir? Bem, quem gosta de ter que calçar aquele sapato que machuca o calcanhar o dia todo? E, assim, ele vai ficando ali, no fundo da sapateira. Você não suporta sequer olhar ou pensar nele, pois a lembrança e a sensação que lhe vem à cabeça são imediatas: desconforto, dor, medo e agonia intensas! E, da mesma forma, quantas vezes você já não deixou de atender a ligação de uma pessoa da qual não gosta, evitou sair de casa na hora do rush para não pegar o trânsito intenso, cancelou a consulta no dentista por não querer enfrentar o medo?
Quando aprendemos que, em uma determinada situação, nos sentimos mal, com dor ou desconfortáveis, nossa tendência primária é evitar esta situação para não ter todos estes sentimentos negativos. E, claro, isto pode ser favorável em algumas situações. Mas e quando pessoa que estava te ligando é o seu chefe e ele tem uma informação essencial para o seu projeto, você ficará sem esta informação? E se você precisa pegar o carro na hora do rush para buscar seu filho na escola, ele ficará sozinho te esperando? E se o dentista que você cancelou era para o conserto de uma obturação, você prejudicará sua saúde?
Todos nós temos os nossos sapatos apertados: situações ruins, que nos geram desconforto e das quais a única coisa que queremos é fugir. Muitas vezes, a questão é se a fuga é a melhor resposta para isso ou se haveria algo diferente que podemos fazer para enfrentar melhor o que nos gera desconforto. Tirar o sapato às vezes é útil, assim como fugir de determinadas coisas também pode ser. Mas qual será a consequência desta fuga? Será que também não se acaba por abrir mão de outras coisas importantes? Está tudo bem deixar de comer uma pizza por não se gostar de pizzas. Mas qual a consequência em deixar de fazer uma prova ou de comparecer a uma entrevista de emprego por medo de fracassar?
Buscar formas de enfrentamento dos nossos medos e desconfortos significa procurar fazer as coisas diferentemente. Isso requer conhecer a fonte do medo e buscar alternativas de ação, de comportamento e um dos focos do psicólogo pode ser trabalhar justamente isso. Reconhecer quais são nossos sapatos apertados, e no dia a dia pode nos trazer uma melhor compreensão sobre nós mesmos.
*Joana Vartanian é psicóloga formada pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), atuando com Terapia Comportamental. Possui atividades de aperfeiçoamentos pela UNESP, Universidade de São Paulo (USP) e Hospital do Coração (HCor) e realiza atendimentos direcionados a orientação de pais, Treinamento de Habilidades Sociais, terapia de casal e atendimentos em grupo e individuais de adolescentes e adultos.
Contato: joana.vartanian@yahoo.com.br
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