O que aprendemos com a morte?
- Thiago Domingues
- 19 de mar. de 2015
- 3 min de leitura

Para tia Ana.
O título já precipita o tema da nossa conversa. E é assim que começo o texto de hoje, deixando esta interrogação, sem uma introdução explicativa, aos olhos de você, caro leitor.
Pego carona no dizer de Roberto Freire, quando diz que “é o amor, e não a vida, o contrário da morte”. Aqueles que se abrigam nos braços de Eros entenderão que amar é descobrir o encanto de estar vivo, é a pulsação e ritmo de uma motivação interior. Amar enquanto movimento existencial e morte enquanto estagnação parece ser uma relação dialética interessante, não acha? Outra possibilidade seria a disposição de estar vivo para mergulhar nas águas do inconsciente coletivo e se abrir para a experiência milenar do ato criador, renovando as possibilidades de ação no mundo. O oposto seria abdicar destas tendências e reservas e sucumbir aos bloqueios, “pecados” e medos para encenar a morte em vida.
Um leitor atento poderia perguntar: “De que morte então estaria ele falando? E esta necessidade em afirmar a vida, não estaria o autor encarnando uma lógica nietzschiana?”
Sim, caro leitor. Você tem razão. Por mais que a filosofia (principalmente os gnósticos) nos diga que para entender a morte é imperioso compreender a vida, a psicanálise diria que racionalizei demais, um mecanismo de defesa para proteger a integridade daquilo que chamamos de ego.
Ao falar de um tema como o da morte, um tema que me atravessou recentemente, não seria uma abstração entregar-se a estas “armadilhas”. Sei que minha esperança libertária teima em concordar com o que disse Raoul Vaneigem no livro “Tratado da sabedoria de viver para uso das jovens gerações”: “ Nós não lutamos por um mundo no qual a garantia para não se morrer de fome troca-se pelo risco de morrer de tédio”.
Mas a morte que me refiro neste breve texto é aquela que contorna o pathos arquetípico da humanidade, o fio condutor de diversas narrativas mitológicas universais. Em outras palavras e de maneira mais objetiva seria a perda de um ente querido e a dor psíquica da separação.
É neste sentido que refleti sobre a elaboração de processos internos para assimilar este doloroso processo. Conservamos aquelas estórias mais significativas, guardamos os bons momentos, as fotos, as roupas. Não podemos deixar de lado a importância dos ritos de passagem e a ritualização de momentos de elaboração psíquica da dicotomia vida/morte, assim como o fortalecimento da união e cooperação entre os entes da família.
A singularidade do processo do luto é pessoal, muitas vezes orientada a partir de referências culturais ou religiosas. Há quem se abrigue no silêncio, outros no choro torrencial. Há aqueles que fazem piada no velório porque o riso ameniza o sofrimento e distensiona a carga emocional. É preciso compreender e respeitar a manifestação destes fenômenos, já que a morte do outro também é o contato com a nossa finitude, com a ressignificação da nossa existência a partir da ausência, da perda e da separação.
Ainda alimento a pergunta que intitula este texto. Assim como espero que o Paraíso bíblico ou os Campos Elísios da mitologia grega sejam lugares que guardem com carinho aqueles que amamos.
“A morte é a mão do belo, e só a morte satisfaz nossos sonhos e desejos”. Seja a morte literal ou metafórica, é a poesia nas palavras de Wallace Stevens devolvendo a vida e semeando-a com esperança.

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