Eduardo Galeano, o prefácio da esperança.
- Thiago Domingues
- 16 de abr. de 2015
- 3 min de leitura

Estava revendo minha recente apresentação no congresso da ABRAPSO (Associação Brasileira de Psicologia Social) e tinha muito clara a ideia do tema de hoje: falaria sobre o poeta Pablo Neruda e a potência da palavra. Em tempos de esvaecimento das convicções existenciais, acredito que a poesia tem esta potência numinosa de reencantar o mundo, e com Neruda ela atinge dimensões profundas, aliando a palavra e a prática, configurando o diálogo fecundo entre o poético e o político.
Eis que uma notícia chega, abrindo silêncio no encadeamento dos pensamentos. Aos 74 anos morre o escritor uruguaio Eduardo Galeano.
Quando soube da notícia de sua morte, lembrei-me das diversas vezes que estava “bolado” com o mundo e abria o Youtube para ouvi-lo falar da importância da utopia, de alimentar e reivindicar constantemente nosso direito de sonhar. Para Galeano Deus existe nas pequenas e nas grandes coisas que podem ser imaginadas, mas, como disse em “ O livro dos abraços” “ quem fez o mundo fomos nós, os pedreiros”.
Para ele um novo mundo era possível e por isso me inspirava tanto. Para Galeano um mundo possível poderia começar com a extinção das paixões humanas mais cruéis, aquela que cala e silencia inocentes, aquela que faz da razão tecnicista o único pretexto para um desenvolvimento mais desigual da nossa América Latina. O espaço urbano e a vida cotidiana não seriam mais invadidos pela ditadura do medo, e o desenvolvimento seria anunciado por todos aqueles comprometidos com a dignidade da vida humana, já que o alardeado pelos economistas e pelos “PIBs” nacionais nos empurra, como um trem desgovernado, a um holocausto coletivo.
Seu mais conhecido livro chamado “Veias abertas da América Latina” é uma aula de história, partindo do ponto de vista dos excluídos. É ali que o escritor uruguaio sustenta suas teses de que um novo mundo, para os sul-americanos, é possível se superarmos os padrões ainda vivos do colonialismo europeu e da transnacionalização norte-americana. Mudança pressupõe conscientização e Galeano nos dava a receita do que deveria ser superado.
Combater os desvios de uma educação que reproduz estigmas e institucionaliza saberes, que gera a falsa sensação de que todos necessitamos de relações hierarquizadas e mediadas pela burocracia, é ter a consciência de que a luta incomoda os interesses enraizados culturalmente e nossa responsabilidade é com a dissolução destes impulsos baseados na concorrência, na impessoalidade e na comparação irresponsável. Uma vida mais justa e igualitária também implica em considerar os valores relacionados com a causa animal, já que como ele diz em um dos vídeos, este novo mundo possível também implica considerar atitudes em que “ os cozinheiros não pensarão que as lagostas adoram serem fervidas vivas”.
No posfácio de “ Veias Abertas” Galeano salienta que a história tem sido uma professora cruel, e mesmo passado sete anos da 1ª edição “ a engrenagem internacional continuou funcionando: os países a serviço das mercadorias, os homens a serviço das coisas”.
Aprendi com Galeano que o princípio de cooperação é o que deve devolver à vida seu valor original. Antes de ser um valor ou subproduto burguês, é ali que está o gérmen de mudanças profundas tanto no psiquismo, quanto nas estruturas da nossa sociedade. A razão instrumental não detém controle sobre a vida simbólica e é lá que devemos nutrir nossas convicções: na potência do imaginário, na ludicidade das vivências, na sensibilidade da razão estética que nos conecta a estes elementos de transformação que estão vivos em nosso inconsciente coletivo.
Se naturalizamos o que não devia ser naturalizado, é com Galeano que aprendi que ser indignado é uma das melhores qualidades que podemos ter.
Boa viagem, amigo e mestre.

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