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Pablo Neruda e as palavras: por uma psicologia poética

  • Thiago Domingues
  • 14 de mai. de 2015
  • 3 min de leitura

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Vivemos tempos incomuns.


Não há mais fronteiras para o mercado, e o modo como se produz estrutura as relações sociais. O vazio existencial foi preenchido pelos ideais de acúmulo e competitividade. Conhecimento hoje é poder, eliminação do outro, de outras possibilidades de produção e compreensão da realidade. A hegemonia do materialismo vem com a mesma intensidade da indústria médico-farmacêutica: diagnosticar, medicar em excesso, tornar doentio expressões da individualidade psíquica. A exclusão toma outros nomes, mas continua existindo.


Todos sabemos que a ideologia opera como uma narrativa que impõe valores e padrões, como uma praga mimetizante. A ideologia cristaliza e se autojustifica, fundando sistemas políticos, educacionais e econômicos que organizam perversas formas de dominação ecossocial.


Tomaremos aqui a palavra crise como sentido de esgotamento de velhos paradigmas e como oportunidade de criação, recomeço. O reencantamento do mundo é preciso, assim como o encantamento da psicologia. Nas palavras de Jésus Sepúlveda “ a poesia e a arte evitam a padronização”.


O poeta chileno Pablo Neruda (Neftalí Ricardo Reys Basoalto) é um daqueles que restaurou a potência da palavra. Humanista no emprego da palavra, elevou a condição humana ensinando a beleza da luta pela transformação social. Problematizou pela poesia as condições predominantes de um sistema de mundo baseado na opressão e desigualdade, projetando também futuros possíveis a partir da valorização da identidade política-cultural do homem da América Latina e o desenvolvimento de projetos de emancipação para os pobres, campesinos e demais oprimidos historicamente.


É com Neruda que vamos compreender a emergência do retorno aos valores essencialmente humanos como a ternura, o cuidado, a interdependência solidária. Como aprendemos com Hesíodo em sua Teogonia, é o poeta, ao receber das Musas o cetro da competência e autoridade, que pode cantar o passado e o futuro, exprimir pela linguagem a excelência do sagrado, como uma epifania das Musas. Nunca é demais lembrar que era comum no período clássico grego a ideia de que Homero havia sido o educador de toda Grécia, sendo o aedo e a poesia oral o centro e o eixo da vida espiritual daquele tempo.

Como o cronista de um tempo, em “Canto Geral” Neruda resgata a história de nossa América Latina, que foi silenciada pelo colonialismo europeu. A partir do panorama do sofrimento visceral da sua América vilipendiada por injustiças e refém de um silêncio imposto há séculos, ele sentia que era preciso revisitar o passado, preencher as lacunas e fazer de uma “odisséia poética”, um exemplo prático da sutileza política e da afirmação da cidadania, para a partir daí pensar em modelos e respostas aos novos tempos. Aqui, mais uma vez, psicologia e poesia se unem. Ambas são inseparáveis da sua realidade social e cultural, ambas assumem o compromisso ético de resgatar a potência da vida humana tragada pelo imediatismo, indiferença, burocracia e reprodução cotidiana, criando um lugar de luta por igualdade e justiça, imaginação criadora e emancipação do espírito.


Se a palavra é a matéria-prima dos poetas e dos psicólogos, podemos entender como uma psicologia poética o desejo de integração de uma cosmovisão que privilegie a vida fraterna e solidária, justa e biocêntrica, como um aedo que sabe que a numinosidade da palavra tem repercussão nos destinos individuais, da comunidade e na ordem do mundo.


A “poesia é uma metafísica instantânea”, disse certa vez Bachelard. É neste sentido que há em Neruda uma relação intrínseca com o fazer psicológico, e podemos retirar da poesia inúmeras contribuições, já que o psicólogo é central na defesa de uma melhoria na qualidade de vida material e psíquica. Distensionar a repressão da sensibilidade criativa e enriquecer o imaginário (pessoal e coletivo) abafado pelo pragmatismo, competitividade e tecnicismo, formando uma comunidade de emoções genuínas e transformadoras, estas são as principais referências éticas que a psicologia poética pode contribuir para desfazer o discurso padronizador e reducionista do controle dos corpos e do imaginário.


E você, o que aprendeu com o seu poeta favorito?

*(Adaptação da apresentação realizada no XII encontro regional da Associação Brasileira de Psicologia Social)

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