Mais uma árvore que cai... E eu com isso?

Consigo lembrar a fala exaltada e a boca com as salivas no canto da boca da professora de História, relatando com admiração a conquista dos portugueses sobre os primitivos ( era assim que ela referia-se aos índios) no Brasil. Imagino que mesmo na 6ª série, há uma espécie de romantismo dissimulado projetado sobre os adolescentes, fazendo com que o professor não imagine que do outro lado nós, os alunos, imaginemos que todos os habitantes daqui trocariam espontaneamente sua preciosa mão de obra (e seu ócio, claro) a fim de devastar a floresta atrás do Pau Brasil em troca de alguns espelhos e torrões de açúcar.

Muitas vezes o que chamamos de Educação nada mais é do que uma desculpa para introduzir os imperativos do acúmulo, individualismo e do progresso infinito e a todo custo. Assim como os portugueses, hoje em dia os gurus liberais recitam seus mantras e se é importante crescer, dizem eles, coloquemos abaixo tudo que impede este “nobre curso expansivo”. “Coloquemos abaixo” significa pensar o semelhante como concorrente ou na melhor das hipóteses como uma fatia importante de mercado. Um exemplo do “ coloquemos abaixo” é o recente caso do Parque Augusta, onde o projeto de construção de mais um “empreendimento gourmet” pretende devastar uma das poucas áreas arborizadas restantes de São Paulo.

Se você é daqueles que ao nadar no mar ou em um grande rio tem a sensação de retornar ao grande líquido amniótico da nossa Mãe Terra, sabe que é urgente a criação de uma consciência ecológica que integre políticas ambientais, condutas menos impactantes no planeta e a disseminação de alternativas fraternas de convivência. Não precisamos de rios canalizados, solos impermeabilizados ou redução de impostos para colocar mais carros nas ruas, em favor das grandes montadoras de veículos. Como no belíssimo Nausicaa, de Hayao Myiazaki, o cenário catastrófico impede que vejamos que a natureza busca seu equilíbrio, nós é que não deixamos que ela se harmonize.

Um artista que retratou este momento de barbárie é o polonês Frans Krajcberg. Dotado de uma sensibilidade que grita, ele denuncia em suas obras a devastação da Amazônia e os índios mortos por defender sua terra contra os interesses do “nobre curso expansivo” das madeireiras e pecuaristas.

Andando por uma rua de São Paulo, vejo o serviço de podas cortando mais uma árvore, um belíssimo abacateiro de troncos fortes e galhos espalmados para o alto. De raízes profundas, a motoserra tinha dificuldades de vencer a madeira já sustentada ao solo. Ao encontrar meu olhar, o trabalhador lançou o automático “só estou fazendo meu trabalho”. Outro trabalhador, com seu facão cortando os galhos já caídos no chão é mais direto: “ Não esquenta, é só uma árvore”.

A crise hídrica em São Paulo ( e também no Brasil) fala aos corações de todos e ultrapassa o movimento racional do ego e das políticas personalistas e partidárias. Trata-se também de uma metáfora que sustenta um sentido ainda mais profundo das nossas relações e compromisso com a preservação da biodiversidade e da espiritualidade que nos orienta para compromissos éticos profundos com a vida.

Para os psicólogos é imperioso fazer com que a vida flua em direção à conscientização de um novo projeto civilizacional. A psicologia pode nos ajudar a descobrir o que existe atrás das estrelas ou servir de modelo de contenção social e reprodução de modelos esgotados de sentido. De nada adianta ações para estocarmos caixas d´água em casa se considerarmos um abacateiro SÓ um abacateiro. Precisamos plantar novas árvores e semear novos começos...

#thiagodomingues